Título: Não à volta da CPMF
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Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2011, Opinião, p. 18

O Executivo e o Legislativo teimam em não assimilar o princípio republicano de que o orçamento não é apenas uma listagem de receitas e despesas. Antes, configura verdadeiro programa de governo, porque a previsão de recursos e a cobertura de gastos devem contemplar o atendimento a todas as demandas essenciais da sociedade. Constitui expediente contrário ao exercício regular do poder governamental criar fontes adicionais de financiamento para encargos inscritos na lei de meios.

O planejamento orçamentário exige a estimação correta dos recursos vinculados à execução de políticas públicas de natureza estratégica. Até mesmo para a reparação de danos humanos e materiais provocados pela fúria da natureza, por exemplo, o governo dispõe de verbas alocadas sob a rubrica denominada reserva de contingência. Mas, apesar dos provisionamentos financeiros em escala normal, vez em quando ressurge a ideia de ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para o custeio dos programas de saúde pública.

Ora, a obrigação do Congresso era de orçar e aprovar as disponibilidades necessárias para a assistência sanitária dos cidadãos. Cabia-lhe assegurá-la pela movimentação orgânica e articulada dos R$ 2,073 trilhões consignados aos compromissos da União. Não se sabe se o fez. Mas se sabe haver considerado suficiente atribuir ao setor R$ 74,25 bilhões. Sinalizou no sentido de que não seria conveniente restabelecer a CPMF, extinta em 2007 com apoio vigoroso dos contribuintes.

Pregar, hoje, a volta do imposto do cheque é assumir afronta aos interesses da coletividade nacional. Alguns governadores do Nordeste, malgrado a reação social, não concedem a menor importância à aversão generalizada a semelhante incidência fiscal. Reivindicaram-na com forte empenho à presidente Dilma Rousseff, em fórum realizado em Sergipe, segunda-feira.

A CPMF é um tributo com inexcedível carga de perversidade. Incide em forma de cascata sobre toda a cadeia das relações financeiras. Bate com a mesma intensidade nas operações empresariais quanto no bolso dos assalariados. É concepção tributária que, por exibir caráter acumulador, é inconstitucional. O artigo 154 da Lei Magna proíbe a União de instituir impostos cumulativos, sem admiti-los quando propostos em emenda constitucional, como imaginam alguns gestores públicos. Mais grave. A CPMF carrega o vício insanável da bitributação, eis que nasce do mesmo fato gerador do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Se são escassos os recursos destinados à saúde, não é o caso de recorrer a solução imprópria e prejudicial à renda dos brasileiros. A saída é a aprovação da Emenda Constitucional nº 29, que obriga União, estados e municípios a gastarem percentual mínimo das receitas em ações na área. Mesmo se limitada a 0,1%, conforme os que a propõem, a CPMF sugará nada menos de R$ 14 bilhões da população. Saque de tamanha proporções é inadmissível num país em que a economia ¿ a da produção e a das famílias ¿ é taxada em quase 37%, o percentual mais elevado do mundo.