Título: Estação do atraso
Autor: Rossi, Paulo
Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2011, Opinião, p. 18

A ferida aberta pela Operação Caixa de Pandora fez Brasília sangrar por mais de um ano. Nesse período, assistimos a vídeos com cenas de corrupção explícita, testemunhamos a queda e a prisão de um governador, tivemos vergonha de comemorar o cinquentenário da capital da República. Alimentamos a esperança, porém, de que os resultados das urnas e os ventos de 2011 nos conduzissem à catarse e à renovação.

Quase dois meses depois do espocar das garrafas de champanhe, não há motivos para otimismo. Vejamos a Câmara Legislativa. A oração de agradecimento pela propina ainda ecoa em nossos ouvidos. O dinheiro escondido em bolsas e meias resiste na memória visual. Mesmo assim, somos ¿brindados¿ com decisões dos novos parlamentares que soam como piada de mau gosto, tamanha a desfaçatez.

Um exemplo: o presidente da principal comissão permanente da nova legislatura atende pelo nome de Agaciel Maia. Sim, o pivô do escândalo dos atos secretos no Senado, defenestrado da direção-geral daquela Casa, comanda agora a Comissão de Economia, Orçamento e Finanças da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Com direito a discurso de que ¿o povo me absolveu nas urnas¿, referindo-se aos 14.073 votos amealhados na eleição para deputado distrital.

E o que dizer do movimento de bastidores revelado pelas repórteres Lilian Tahan e Ana Maria Campos na edição do Correio da última segunda-feira? Acossado por denúncias de direcionar licitações para favorecer empresas de familiares, Benedito Domingos conta com a simpatia de seus pares, que já encomendam a pizza. O argumento em defesa do acusado é inacreditável aos olhos dos leigos, mas defensável juridicamente: as supostas falcatruas remetem à legislatura passada e, portanto, não podem ser investigadas pelos recém-empossados deputados distritais.

Incrédulos e inertes, não vamos às ruas, não batemos panelas. Sussuramos aos nossos botões: ¿Política é assim mesmo. O que há de se fazer?¿. E assim perdemos o bonde da história. O trem, aqui por estas plagas, é de um atraso desolador.