Título: Saída pelo litoral
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2011, Mundo, p. 21

REVOLTA NO ORIENTE MÉDIO Especial para o Correio

Depois que viram frustradas as tentativas de resgate por ar, os brasileiros retidos em Benghazi, na Líbia, apostam as esperanças na saída pelo mar. Na noite de ontem, a assessoria do Itamaraty informou que um navio contratado pela empreiteira Queiroz Galvão deve chegar hoje ao país para levar os brasileiros a Malta. Os 123 funcionários da construtora e seus familiares são os únicos brasileiros na cidade, palco dos protestos mais violentos desde o início das manifestações contra o regime de Muamar Kadafi. Pelo menos mais 500 estão em Trípoli. O diretor da Queiroz Galvão para a África do Norte e o Oriente Médio, Marcos Jordão, disse ao Correio que a opção marítima se tornou a mais viável depois que as pistas do aeroporto de Benghazi foram destruídas nos tumultos, impossibilitando a aterrissagem de aviões de passageiros.

O Itamaraty confirmou as negociações com a Líbia para a retirada dos brasileiros. No início da tarde, o ministro Antonio Patriota havia afirmado que o governo está em contato com empresas na Itália para contratar navios que iriam a Trípoli e a Benghazi. ¿Os funcionários de empresas brasileiras, inclusive os que não são brasileiros, poderão sair de avião ou navio¿, disse, em entrevista coletiva ao lado da colega francesa, Michèle Alliot-Marie, que ontem visitou Brasília. A chanceler informou que seu governo obteve autorização para o pouso de dois aviões que vão retirar cidadãos franceses, e colocou lugares à disposição do Brasil.

Cerca de 50 dos 123 brasileiros em Benghazi estão hospedados na casa de Jordão. O restante foi alojado em um hotel próximo à residência, que fica em um bairro afastado do centro da cidade. O executivo garantiu que não há problemas de abastecimento e os supermercados permanecem abertos. Mesmo assim, há comida e água guardadas para pelo menos 10 dias. O fornecimento de eletricidade se mantém, mas a internet foi cortada e os telefones funcionam precariamente. ¿No começo, estávamos assustados com o barulho dos tiroteios. Agora, existe a ansiedade de ir embora.¿

A odontóloga Márcia Rochel Zamariola vive a aflição daqui do Brasil. Seu filho, o paulistano Eduardo Zamariola, é um dos funcionários da Queiroz Galvão retidos em Benghazi. Ele e a mulher, Tatiana Maron Abujamra, que também trabalha para a empresa, estão alojados na casa do diretor. ¿São muitas pessoas naquela casa. Eles estão vivendo um verdadeiro BBB Brasil¿, comparou Márcia. Ela se diz ¿decepcionada¿ com o andamento das negociações mantidas pelo governo brasileiro: ¿Outros países foram mais rápidos para tirar seus cidadãos¿.

Êxodo Ontem, dezenas de milhares de estrangeiros tentavam deixar o país árabe por conta da violência. Segundo a BBC Brasil, ao menos 5 mil egípcios já teriam cruzado a fronteira entre os dois países e outros 10 mil estariam aguardando para voltar ao Egito. O governo daquele país chegou a anunciar o envio de seis aviões comerciais e dois militares para resgatar seus cidadãos. Turquia, Itália, França, Reino Unido, Holanda, Rússia, Espanha e Polônia também anunciaram o envio de aeronaves.

A saída em massa dos próprios cidadãos líbios foi motivo para uma reunião convocada pelo primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, com seu gabinete ante à iminente chegada de imigrantes clandestinos à Itália. O país já recebeu milhares de tunisianos, o que levou a União Europeia a aprovar um plano de ajuda. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) expressou ¿preocupação cada vez maior¿ com os riscos que correm os civis apanhados na escalada da violência na Líbia, especialmente solicitantes de refúgio e refugiados.