Título: Escassez de talentos leva empresas a caçar ex-funcionários
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Fonte: Valor Econômico, 04/06/2008, Carreira, p. D10

O bom filho à casa retorna. Essa conhecida frase popular vem tornando-se lugar comum em empresas que enfrentam a escassez de profissionais qualificados. Muitas decidiram ir à caça de ex-funcionários como alternativa ao "gap" de mão-de-obra. Movimento que tem intensificado o rouba-rouba de talentos e aumentado o salário de quem está voltando.

Na Unisys, desde o início do ano passado o processo de recontratações passou a acontecer com mais freqüência. Tanto que até março a área de recursos humanos havia registrado 16 casos e hoje chega a um total de 28. Número, no entanto, ainda insuficiente diante da quantidade de vagas em aberto . "Não trazemos antigos funcionários apenas por falta de gente disponível", explica Regina Curi, diretora de RH da subsidiária brasileira. "Também porque há necessidade em determinadas áreas de mantermos uma equipe que domine tecnologias complexas".

Outra empresa da área de tecnologia que aderiu a essa prática foi a Corel, desenvolvedora de programas gráficos. Sempre quando a companhia precisa contratar um profissional, os executivos lembram de quem já passou por ali. Caminho natural para uma organização que viveu em 2003 uma queda nos negócios mundiais, levando à demissão da folha.

"Alguns dos melhores continuam fora e com as novas oportunidades em meio a retomada de investimentos, certamente eles ficam na mira", explica Pedro Soares Fontes, gerente-geral da Corel no Brasil. Na sua opinião, é bem mais interessante contar com profissionais que conhecem as operações e seu funcionamento, sobretudo agora quando não há gente preparada no mercado.

Apesar de ser uma cultura recorrente da Método Engenharia, a busca por profissionais que no passado fizeram parte de seus quadros ganhou fôlego há cerca de dois anos. Exatamente no momento em que o setor de construção no Brasil dava sinais de recuperação, mudando radicalmente o ritmo de negócios da companhia, que ao promover uma série de reestruturações internas, começou a crescer de forma acelerada.

De acordo com Edna Manfrim Simões, gestora de RH da construtora, as recontratações não se restringem ao nível executivo, embora elas representem hoje o maior número de situações desse tipo na organização. "Tivemos três profissionais que regressaram para ocupar cargos de diretoria", aponta.

Foi o caso do engenheiro Fernando Ferreira, 43 anos. Após comandar, durante três anos, a Heating Cooling, empresa de equipamentos de ar-condicionado, nos Emirados Árabes, decidiu voltar ao Brasil em fevereiro de 2007. Aceitou o convite da Método para regressar à companhia e encarar um desafio interessante, liderar uma unidade que acabava de ser criada, a de novos negócios.

Pouco tempo depois se viu acumulando duas outras divisões, a de energia - com foco nas áreas de biocombustível e energia renovável - e desenvolvimento imobiliário. Sua primeira passagem pela Método durou sete anos. Curiosamente, Ferreira deixou a construtora em 2004, porque queria ter a experiência de ser o principal executivo da Heating Cooling lá fora. "Era uma oportunidade irrecusável, sobretudo porque o mercado da construção civil, na época, estava em um período de declínio".

Perspectivas muito diferentes do que se vê hoje, em meio ao "boom" do setor e à falta de gente preparada para ocupar as inúmeras vagas que surgem. Ferreira conta que voltar à companhia representa um grande atalho na readaptação ao país. "Mesmo longe, mantive contato com algumas pessoas na Método, por me identificar com sua cultura e valores", diz.

Com uma enorme dificuldade para encontrar técnicos e engenheiros qualificados, a APS Associados - que atua no setor de segurança no trabalho e meio ambiente - resolveu ir além em sua política de recontratar ex-funcionários. Adotou uma estratégia mais agressiva envolvendo os benefícios oferecidos. Segundo Alberto Pereira, presidente da companhia, há subsídio de 50% em cursos e treinamento.

"Vamos atrás de quem passou por nossos quadros, porque conhecem a empresa e os processos", diz. Em 2007, oito pessoas voltaram, com salários 15% maiores. "Não tem jeito, esse mercado virou um leilão. E a briga é por quem paga mais para ter os melhores". Não é à toa que essa disputa torna-se cada vez mais acalorada. A APS vive um 'gap' permanente de mão-de-obra entre 10% e 15%.

Na Ernst & Young existe até um programa, chamado "Bumerangue", que monitora os melhores cérebros quando eles decidem sair da companhia. A idéia é acompanhar ex-funcionários considerados valiosos pela empresa e que por inúmeras razões optaram por tentar fora uma nova oportunidade profissional. "Muitos acabam indo atuar em outra área e ficam insatisfeitos", explica Leda Machado, diretora de RH da auditoria. "Mas sabem que as portas estão abertas".

Ainda mais quando a companhia tenta saídas para enfrentar a dura tarefa de encontrar profissionais para suprir a demanda. Problema que se intensificou entre as principais firmas de auditoria. Elas disputam a tapas cada um dos talentos disponíveis. "Assim que sentimos uma possibilidade de trazê-los de volta não hesitamos". Esse "cerco" se dá, geralmente, com consultores seniores e de nível gerencial. Só em 2007, 37 profissionais retornaram a Ernst & Young.

Daniel Cifu, 33 anos, é um deles. Chamado de volta pelo sócio da divisão de finanças corporativa da auditoria, no final do ano passado, ele apostou em uma nova fase de sua carreira. "Avaliei questões como a qualidade do ambiente profissional, o fato de trabalhar com amigos e a possibilidade de um dia virar sócio", conta. O executivo havia saído em 2003 para comandar um fundo de private equity.

De acordo com Renata Wright, gerente da divisão de RH da Michael Page, consultoria especializada no recrutamento de executivos para a média gerência, a prática de recontratar ex-funcionários é comum no mercado. "Mas nunca chamou tanto a atenção como ultimamente", destaca. E os setores que estão aquecidos são os que lideram esse movimento, a exemplo de finanças, tecnologia da informação e construção, diz.

Dependendo do tempo em que o profissional fica fora da empresa e da experiência adquirida, seu passe torna-se mais valorizado. "Em média, nesse tipo de transição, há um aumento entre 20% e 30% sobre o que esse profissional ganhava na companhia anterior", afirma. Renata, inclusive, reforça essa leva de talentos que à casa retorna. Sete anos longe da Michael Page, voltou em julho de 2006 para abrir a divisão de recursos humanos da consultoria.