Título: Ações no futuro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2008, EU & Investimentos, p. D1

Quando o mercado de ações se complicou em janeiro, os investidores da previdência privada reduziram a aplicação em planos com renda variável. Já em abril e maio, a melhora da Bovespa levou a um aumento da migração dos aplicadores de planos puros de renda fixa para compostos, com ações. Em maio, enquanto R$ 221 milhões líquidos (saldo de aplicações menos resgates) deixaram as carteiras de previdência em renda fixa e DI, R$ 1,138 bilhão ingressou nas balanceadas e multimercados, segundo estudo do site Fortuna para o Valor. Em março e abril, ambos os grupos tinham captado, numa freada da tendência de migração percebida há meses.

Apesar da maior conscientização dos investidores, o motivo da retomada da atratividade dos planos com ações no ano foi, principalmente, o desempenho da bolsa de janeiro a maio. O Ibovespa, no período, subiu 13,63%, impulsionado pelo primeiro selo de baixo risco recebido pelo país no fim de abril- o segundo saiu somente no fim de maio. Já o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI, parâmetro para a renda fixa) avançou apenas 4,40%. Isso fez com que os planos multimercados subissem 5,95% no período e os planos de renda fixa, 4,30%, segundo dados do site Fortuna.

A conquista dos dois graus de investimento pelo país foi mais um estímulo para a maior procura pelos planos com ações, diz Renato Russo, vice-presidente de Previdência da SulAmérica. "Significa que o cenário para as ações deverá continuar a evoluir positivamente e que as taxas de juros poderão voltar a cair no longo prazo", diz. Isso leva os investidores a serem mais ousados e acreditarem no bom retorno das ações, completa.

O aplicador deve ter entendido que um pouco de volatilidade, como a percebida nos últimos meses no mercado de ações, é compensada por um retorno maior ao longo dos anos, avalia Eliseo Giciana, diretor-executivo de investimentos da Mapfre DTVM e responsável pela gestão dos VGBL e PGBL da seguradora do grupo. "Quem correr mais risco, mas acreditar na prosperidade das empresas do país, tenderá a se dar melhor no longo prazo."

No entanto, a tentativa de especulação em planos de previdência com base no mercado de curto prazo é preocupante, diz Elizabeth Gomes, superintendente de Vendas de Investimentos do Citibank. "Deve pesar mais no risco da previdência a distância até a data prevista para o saque do que o cenário do mercado", diz ela, que acha perigoso o aplicador que pensa em sacar em menos de três anos ter exposição em ações, por exemplo. Há o risco de, muito perto da hora de sacar, ele ver o patrimônio cair 5%, 10%, alerta. Elizabeth recomenda que, à medida que se aproximar o prazo para a aposentadoria, o aplicador vá regulando o saldo, com cada vez menos bolsa.

Hoje o participante da previdência privada está mais maduro para aplicar em renda variável. Por esse motivo, as seguradoras lançam cada vez mais planos de ações e com taxas mais baixas. Mas é preciso cuidado na distribuição dos planos, para que o investidor não corra riscos sem estar avisado, diz Giciana, da Mapfre

A iniciativa das seguradoras em criar planos com ações acompanha o movimento dos investidores. O site Fortuna aponta que, no ano, foram os planos de renda fixa com taxas de administração mais elevadas que sofreram maiores resgates. Os planos de renda fixa e DI com taxa de 3% tiveram mais de R$ 1,2 bilhão em saques líquidos. Os multimercados de mesma taxa tiveram aportes pouco acima desse valor. "Esse movimento é uma forte indicação de que são os investidores de varejo que vêm liderando o processo de migração dos fundos conservadores para os agressivos", diz o estudo do Fortuna. No ano, R$ 4,86 bilhões foram depositados nos planos compostos com ações, enquanto R$ 740 milhões deixaram os PGBL e VGBL de renda fixa ou DI. No resultado líquido total, R$ 4,1 bilhões ingressaram nos planos de previdência no ano até maio.

Esse movimento rumo às ações começou entre os aplicadores mais qualificados, com grandes quantias investidas em previdência privada, conta Paulo Werneck, diretor de gestão de recursos da Icatu Hartford. "Agora, também o aplicador menor começa a se preocupar com o retorno dos planos de previdência."

Em patrimônio, o valor aplicado em planos puros de renda fixa e DI ainda é muito maior do que nos com ações. Segundo dados do site Fortuna, 86,7% dos valores aplicadores em PGBL e VGBL no mercado estão alocados nessas carteiras mais conservadoras, sem ações. Esse é um sinal de que muitos investidores ainda poderiam colocar parte dos seus ativos de previdência em renda variável. Vale destacar que, como o setor de previdência no Brasil é relativamente novo, com dez anos de existência na forma atual, muitos aplicadores ainda estão distantes do momento de saques e, portanto, poderiam ter parte das reservas de longo prazo em bolsa, diluindo o risco.

Nessa linha, o discurso das seguradoras tem sido o de dar cada vez mais liberdade aos aplicadores da previdência privada no que se refere à composição da carteira. "Não precisamos mais exigir uma decisão definitiva do aplicador, para a vida toda", diz Juvêncio Braga, diretor da Caixa Vida e Previdência. No entanto, o participante deve estar consciente do risco de tentar embarcar nas ondas de euforia e pessimismo do mercado e do perigo de perder os melhores momentos da bolsa e entrar nos piores.

"Está mais do que comprovado, pelo histórico da bolsa, que as ações tendem a apresentar melhor desempenho no longo prazo", diz Robert Craddock, diretor-executivo da MetLife para o canal banco. Mas é preciso consciência para tolerar as oscilações e até eventuais perdas no curto prazo, lembra Giciana, da Mapfre.

Já para Renato Russo, da SulAmérica, o fato de os aplicadores não terem fugido dos planos com ações nos meses anteriores - apenas reduzindo o ritmo de aplicações nos planos mais agressivos - é uma prova de que o investidor já não está tão atento a essas variações de curtíssimo prazo e tolera algum sobe-e-desce. "É normal o investidor de previdência não ser tão sensível à oscilação quanto o investidor de fundos, que olha a cota todo dia", diz Werneck, da Icatu Hartford.

Vale destacar, ainda, que os planos de previdência têm uma limitação regulatória de risco. Segundo regra da Superintendência de Seguros Privados (Susep), os planos podem aplicar até 49% dos ativos em renda variável. Portanto, é no máximo a metade do plano que sofre a oscilação da bolsa de valores. A Federação Nacional da Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) pleiteia na Superintendência de Seguros Privados (Susep) a flexibilização desse teto, e há uma expectativa de que essa decisão saia ainda neste ano.

Nos Estados Unidos, chama-se de conservador o aplicador com 80% dos recursos para longo prazo investidos em bolsa, diz Werneck, da Icatu. "Aqui, o brasileiro ainda começa a criar essa cultura de bolsa de valores, com parcelas muito menores." Por isso a tendência de migração dos ativos em previdência de renda fixa para bolsa, conclui. Para ele, o investidor brasileiro ainda carrega uma dificuldade de fazer planejamentos em prazos muito longos por conta das lembranças do período de inflação altíssima. "Mas hoje é tudo mais claro e é possível se planejar melhor."