Título: Segurança alimentar em xeque nos EUA
Autor: Carey, John
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Agronegócios, p. B11

Associated Press Trabalho dobrado: tomates mexicanos para exportação inundam mercados do país após serem barrados na fronteira diante do surto de salmonela nos EUA No início de junho, McDonald´s, Burger King e vários outros restaurantes dos Estados Unidos jogaram fora seus tomates vermelhos e o Wal-Mart deixou de vender certas variedades do fruto. Era uma resposta ao surto de salmonela que, até então, havia afetado 17 Estados e levado pelo menos 23 pessoas ao hospital, segundo a Agência de Remédios e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) do país.

Para os encarregados da inspeção alimentar da FDA, o susto com a salmonela era mais uma evidência do problema crônico de falta de recursos e de pessoal que limitaram a agência a apenas reagir a incidentes como esse, em vez de, em primeiro lugar, preveni-los - desejo de longa data.

Stephen Sundlof, que dirige o Centro de Segurança de Alimentos e Nutrição Aplicada da FDA, recentemente questionou se sua equipe poderia lidar com mais de uma grande crise nacional ao mesmo tempo. Um surto de salmonela e outro de Escherichia coli, por exemplo. "Estamos próximos do ponto de ruptura", diz.

A situação é tão calamitosa que o governo Bush fez um pedido extraordinário para destinar US$ 275 milhões adicionais, em seu orçamento proposto para 2009, à FDA. A decisão seguiu-se a uma solicitação ainda mais incomum do comissário da agência, Andrew C. Von Eschenbach, que pediu a mesma quantia em financiamento emergencial para o ano fiscal de 2008. Paralelamente, uma coalizão de 180 empresas, associações, defensores dos consumidores e grupos de pacientes pressionam por mais dinheiro e funcionários à FDA.

Nos últimos anos, a FDA viu-se cada vez com mais trabalho: fiscalizar rótulos sobre propriedades nutricionais, regulamentar suplementos para dietas, assegurar a segurança das crescentes importações de alimentos. Mas desde 2004 a agência perdeu mais de 30% dos funcionários de campo e há muitos outros com planos de aposentar-se em breve. Fiscalizar todas as instalações de produção de alimentos pelo mundo no ritmo anual levaria 1,9 mil anos. Sundlof brinca, com pesar, que gostaria de reduzir o tempo para 1,5 mil anos.

Também há falta de equipamentos imprescindíveis. Recentemente, pesquisadores de um laboratório da FDA próximo a San Francisco testavam um suplemento de ervas chinês para descobrir se era adequado ao consumo humano. Ligaram o espectrofotômetro de massa, uma máquina de US$ 150 mil, que pode detectar pequenos volumes de substâncias tóxicas e inseriram uma amostra. Não apenas se encontrou vestígios de mercúrio, mas um nível tão alto do metal, que o aparelho teve de ser inabilitado para limpeza. Como o laboratório possui apenas uma máquina, todos os testes ficaram suspensos por duas semanas.

O sistema de segurança alimentar não desmoronou, segundo funcionários antigos e atuais da FDA, graças ao forte sentimento de responsabilidade e sacrifício de seus membros. Tornaram-se públicos casos de funcionários usando cartões de crédito pessoais para comprar produtos suspeitos. Interromper as férias e trabalhar noite adentro tornaram-se práticas comuns.

A luta diária para fazer mais com menos, no entanto, tem sérias implicações para a segurança. A FDA suspeitava que o sorvete Cold Stone Creamery havia contaminado pessoas com salmonela em 2005, mas carecia do exame necessário para provar a contaminação. Teve de recorrer ao Departamento de Tecnologia e Ciências de Alimentos, da University of Georgia, em busca de ajuda para detectar a bactéria. Além disso, como passa grande parte do tempo respondendo a emergências, a FDA acaba negligenciando tarefas de rotina.

"Uma regulamentação que comecei a fazer em 1998 para reduzir o risco de salmonela em ovos ainda não chegou às ruas", diz um funcionário aposentado. "Um motivo para sair foi não ter muita esperança de que os problemas seriam solucionados".

Cerca de 35 anos depois de os EUA imaginarem que o botulismo em alimentos enlatados havia virado história, a toxina apareceu no ano passado em um molho de pimenta, em uma fábrica da Geórgia, administrada pela Castleberry´s Brands. Por quê? Funcionários de campo dizem que estavam ocupados demais e não puderam examinar uma nova tecnologia que a Castleberry´s usava em suas fábricas - que mostrou ser defeituosa.

A agência há muito deseja instaurar um sistema para evitar crises alimentares antes de seu surgimento. Não há recursos para isso. E quando propôs novas regulamentações de segurança na produção no ano passado, o governo Bush vetou a solicitação.

A FDA ainda tenta obter mais apoio e melhorar o funcionamento do sistema. David W. K. Acheson, comissário associado de alimentos, encabeça um novo plano que permitiria à FDA inspecionar certos fabricantes no exterior e obrigar empresas estrangeiras a assumir maior responsabilidade pela segurança. Possibilitaria avaliar ameaças específicas de alimentos determinados (e de fabricantes e de países), em vez de, por exemplo, agrupar todos os frutos do mar e considerá-lo igualmente arriscados, submetendo-os à mesma fiscalização. Tais métodos são cruciais. "Não conseguimos detectar uma saída para esse problema", afirma Acheson.

O plano está pronto e Acheson tenta persuadir o Congresso a financiá-lo. Com o apoio cada vez maior de grupos de consumidores e da indústria de alimentos, o Congresso poderia, enfim, agir. A proposta de US$ 275 milhões adicionais provavelmente não chegará antes do ano fiscal de 2009. E também não conseguirá dobrar o orçamento em cinco anos, como recomendado pela Comissão de Ciências da FDA, um de seus grupos consultores.

A FDA, é claro, está acostumada a isso. "Teremos menos do que gostaríamos", diz Acheson. Mas, mesmo um pequeno impulso seria suficiente para fortalecer as linhas de frente da batalha para assegurar que a oferta de alimentos nos Estados Unidos é segura. (Tradução de Sabino Ahumada)