Título: Agências pressionam por mais estrutura
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2008, Brasil, p. A6

Em meio às suspeitas de interferências da Casa Civil em seus trabalhos, os presidentes e diretores-gerais das dez agências reguladoras assinaram uma carta conjunta em que alertam o governo sobre o risco de esvaziamento dos órgãos que comandam. A queixa não diz respeito a ingerências do governo, mas à recente debandada de profissionais, por defasagem salarial em relação a carreiras semelhantes da administração pública direta.

Na terça-feira passada, os chefes das agências enviaram uma carta ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, na qual pedem "com máxima urgência" uma política de recomposição salarial dos funcionários, "sob pena de comprometimento do papel regulador do poder público". "Diante da falta de perspectivas de melhoria salarial", segundo advertiram os dirigentes das agências, os servidores "acabam optando por oportunidades profissionais mais promissoras".

Não é uma evasão apenas para empresas do setor regulado, de acordo com a carta, mas também a carreiras públicas em ministérios. Enquanto um técnico em regulação com nível superior das agências ganha salário mensal de R$ 6.044, um especialista em regulação do Ministério do Planejamento tem vencimento de R$ 10.692. Essa diferença seria suficiente para fazer com que muitos servidores das agências migrem para outras carreiras no Poder Executivo, dedicando-se a sucessivos concursos públicos, e desfalcando os órgãos reguladores em áreas importantes, como fiscalização e revisões tarifárias.

A pressão já surtiu efeito. Na sexta-feira, governo e sindicatos de servidores das agências chegaram a um entendimento para melhorar salários e equiparar a função a outras carreiras de Estado. O acordo, que deverá ser confirmado pelos sindicatos até hoje, prevê aumentos de até 141% em dois anos. O Ministério do Planejamento, responsável pelas negociações, não soube informar o impacto dos reajustes propostos sobre as finanças públicas.

Os especialistas em regulação terão seus salários reajustados para R$ 9.552 a partir de julho e receberão outros dois aumentos, em 2009 e em 2010. No total, os vencimentos terão acréscimo de 88,2%, conforme acordo já aprovado pela categoria. Os técnicos em regulação, que possuem nível médio, terão reajuste dos atuais R$ 2.970 para R$ 3.887 a partir de julho, chegando a um aumento total de 74,6% até 2010. Os maiores aumentos, de 141%, serão dados a analistas administrativos.

"As agências eram consideradas o patinho feio da administração pública", protesta o presidente da Associação Nacional dos Servidores Efetivos das Agências Reguladoras (Aner), Paulo Rodrigues Mendes, que representa os funcionários concursados. São aproximadamente 5 mil profissionais, dos quais 3.800 foram empossados e exercem cargos atualmente nas agências.

Mendes afirma que, de cada dez especialistas que assumem suas funções nos órgãos reguladores, três abandonam o emprego. Ele lembra que, apesar do reajuste liberado pelo Ministério do Planejamento, os salários nas agências ainda serão menores do que carreiras que exigem o mesmo nível de especialização, como analista do Banco Central ou oficial da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A migração também é forte para o setor privado, com a ida de servidores para as empresas que antes ajudavam a regular, segundo Mendes. "Nada melhor, para uma companhia que está entrando no mercado aéreo brasileiro, do que contratar um especialista da Anac", diz.

As restrições salariais, tanto de servidores quanto de dirigentes das agências, são citadas em recente estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a regulação no Brasil. Encomendado pelo governo brasileiro e concluído em maio, o estudo da OCDE - o clube dos países ricos - assinala que "o recrutamento e retenção de funcionários altamente qualificados se torna um problema, porque o ente regulador está competindo no mesmo mercado de trabalho que as empresas reguladas". "Isso afeta a qualidade e a dinâmica das decisões das agências e envolve diretores em questões técnicas que eles deveriam ter que resolver."

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