Título: Passagem para o futuro
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 25/02/2011, Política, p. 4

Obama coloca um pé no futuro. Compra uma passagem para o futuro. Pois alguma hora a situação vai estabilizar e o sistema de alianças vai recompor. Toda política é feita em condições objetivas. As opções não são ilimitadas

Passagem para o futuro

Há alguma polêmica sobre como Barack Obama vem conduzindo a diplomacia americana nesta onda revolucionária árabe. Os críticos atacam Obama por dois lados diferentes.

Alguns defendem que os Estados Unidos sejam mais solidários a líderes tradicionalmente aliados e hoje sob ameaça de remoção revolucionária do poder.

Outros reclamam porque Washington não tem sido suficientemente solidária às revoluções.

Nessas situações é sempre prudente partir de uma premissa. Quando os Estados Unidos entram numa parada é para defender os interesses nacionais dos Estados Unidos.

O Brasil pôde aprender isso quando apelou aos americanos para resolverem o imbróglio de Honduras, só para depois notar que eles resolveriam conforme o interesse deles. E que não necessariamente eram os nossos.

Aliás, todo mundo age assim. Nós inclusive.

Esses interesses hoje podem ser sintetizados facilmente: nas mais diversas situações geográficas e políticas, trabalhar para que os governos locais sejam permeáveis aos desígnios da superpotência e ajudem a garantir a segurança para os fluxos de capital e de comércio.

Por sinal, nessa empreitada os americanos representam a si próprios e também, em boa medida, os chineses.

Os Estados Unidos trabalham no mundo árabe para que as novas realidades políticas levem em conta esses objetivos.

As massas árabes parecem desejar mais liberdade, mais democracia e menos continuísmo. Esses desejos vão prevalecer até a hora em que forem substituídos por outro desejo, de que alguém ponha ordem na bagunça.

Pois quem vive de notícia é jornalista. Povo gosta mesmo é de paz, estabilidade e prosperidade.

Por esses critérios objetivos, Obama até agora vem se saindo bastante bem. Está mais para impulsionador do que para brecador. Os governos aliados dos Estados Unidos acabam tendo que lidar com os movimentos de massa de um modo menos repressivo.

E Obama coloca um pé no futuro. Compra uma passagem para o futuro. Pois alguma hora a situação vai estabilizar e o sistema de alianças vai recompor.

Toda política é feita em condições objetivas. As opções não são ilimitadas. A mudança política no mundo árabe resulta da insustentável combinação de continuísmo, estagnação social e despotismo.

Uma hora a coisa iria transbordar. E, justiça se faça ao Departamento de Estado, a secretária Hillary Clinton já havia advertido que as bases do mundo árabe estavam firmadas sobre areia movediça.