Título: Banco usa subsídio oficial para fidelizar "clientela"
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2008, Finanças, p. C3

Bancos pequenos e médios estão usando subsídios habitacionais concedidos pelo governo à população de baixa renda como instrumento para fidelizar construtoras e prefeituras. Nos últimos leilões, a regra tem sido as instituições financeiras não exigirem nenhuma remuneração para fazer o repasse dos subsídios para os governos locais. O ganho é ter na prateleira um produto que atrai prefeitos e empresários da construção civil, criando um vínculo para fechar outros negócios, como financiamentos.

No mais recente leilão, cujos resultados foram divulgados na semana passada, o BicBanco foi um dos habilitados, ganhando o direito de fazer o repasse de subsídios para 1.525 moradias no Rio Grande do Norte. Em disputas anteriores, aparecem entre os vencedores instituições como o Banco Paulista, o Luso Brasileiro, a Família Paulista e a Economisa, além de centrais cooperativas e companhias habitacionais. Em comum, os leilões mais recentes têm o fato de que os ganhadores não cobrarem nada para fazer o serviço de repasse de subsídios.

"O nosso ganho é na contratação de financiamentos com as construtoras que vão construir as casas", explica o diretor-executivo do BicBanco, Edênio Nobre. "Financiamentos imobiliários rendem pouco aos bancos, mas são um bom meio para fidelizar clientes. Nessas operações, fidelizamos as construtoras."

O apetite dos bancos nos leilões de subsídios tem incomodado algumas cooperativas, que, até então, levavam uma parcela mais significativa dos recursos. "Bancos que não têm história anterior de operar no crédito imobiliário estão levando a maior parte dos recursos", afirmou o presidente da Associação Nacional de Cooperativismo de Crédito de Economia Familiar e Solidária (Ancosol), Vanderlei Ziger. O sistema Ancosol, que vinha levando cerca de 20% dos subsídios é já financiou cerca de 10 mil moradias, ficou com apenas 3% do mais recente leilão nacional. "Nessas condições, não há como competir", afirma Ziger.

O Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) foi lançado em 2000 para subsidiar a compra de imóveis por famílias com renda até R$ 1.140,00 mensais. Na origem, a idéia era que os recursos, distribuídos pelo Tesouro, cobrissem uma parte do preço do imóvel e, ao mesmo tempo, subsidiassem os empréstimos concedidos por instituições financeiras, permitindo a cobrança de juros menores.

Pelo desenho atual, o programa faz um aporte entre R$ 4,5 mil e R$ 10 mil para subsidiar a compra de imóveis avaliados entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. Neste ano, o orçamento é de R$ 350 milhões para subsidiar perto de 50 mil moradias. Os valores dos subsídios são diferentes para cidades do interior e capitais. Em cidades do interior, as famílias de baixa renda podem comprar imóveis novos avaliados em até R$ 20 mil e, nessas operações, geralmente recebem R$ 6 mil em subsídios. Ou seja, o imóvel, que inicialmente custaria R$ 20 mil, sai por R$ 14 mil para a família. Na origem, a proposta era que os R$ 14 mil fossem emprestados por uma instituição financeira, que, para oferecer juro menor, receberia outro subsídio do Tesouro.

Na prática, porém, os bancos não estão pedido o subsídio nem concedendo financiamentos. Eles apenas entram no leilão, pegam os R$ 6 mil oferecidos pelo Tesouro, repassam os recursos a governos locais e zelam para que o subsídio seja efetivamente empregado na compra de um imóvel para baixa renda. Os R$ 14 mil restantes, normalmente, são bancados por governos locais, que fazem aportes de recursos ou fazem a doação de terrenos e serviços de infra-estrutura. Quando cooperativas vencem o leilão, elas costumam fazer um "mix" de recursos: juntam os R$ 6 mil oferecidos pelo Tesouro com um aporte de governos locais e financiam o resto, com prestações na faixa de R$ 60 mensais.

Ou seja, no desenho atual, os bancos não operam exatamente como financiadores dos imóveis, mas apenas como repassadores de subsídios. O trabalho tem um custo, já que cabe à instituição financeira avaliar o empreendimento e acompanhar a sua execução física. O banco também corre riscos, já que arca com o prejuízo no caso de haver desvio dos subsídios.

O diretor do Departamento de Produção Habitacional do Ministério de Cidades, Daniel Vital Nolasco, afirma que parte dos ganhos dos bancos vem de receitas de "float". Em alguns casos, leva mais de um ano entre a liberação do subsídio pelo Tesouro ao banco e a entrega dos recursos para as construtoras. Nesse meio tempo, os bancos aplicam os recursos no mercado financeiro.

Nolasco disse que cooperativas levam menos recursos nos leilões porque têm atuação regional. Os subsídios são distribuídos nacionalmente, de acordo com o déficit habitacional em cada Estado. As associadas à Ancosol, afirmou, têm atuação forte na Região Sul, onde o déficit habitacional é mais baixo.