Título: Governo age para manter texto da Lei do Gás no Senado
Autor: Ulhôa , Raquel ; Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2008, Politica, p. A7

Mercadante não vê motivos para ampliar monopólio nos Estados: "É como instalar pedágio em estrada alheia" A base governista na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado tentará derrubar, amanhã, o relatório do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) ao projeto de Lei do Gás e retomar a proposta aprovada na Câmara dos Deputados. A informação é dos senadores Aloizio Mercadante (PT-SP), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Ideli Salvatti (SC), líder do PT, e Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo na Casa. "Nossa proposta é a aprovada pela Câmara. Vamos buscar mantê-la na votação da CCJ", afirmou Ideli. "Jarbas fez uma mudança que evita a implantação de sistemas produtivos da Petrobras", emendou Jucá.

Mais do que afetar os interesses da estatal, o parecer do ex-governador pernambucano provocou uma reação indignada das indústrias consumidoras de gás natural. Elas reclamam da interpretação, dada por Jarbas, de que a distribuição do gás canalizado é monopólio das concessionárias estaduais. O senador baseou-se em parecer jurídico do advogado Arnold Wald, de um dos mais respeitados escritórios paulistanos, que foi contratado pela Abegás (associação das distribuidoras estaduais) e pela Abar (associação das agências reguladoras estaduais). Para as indústrias, se for aprovado, o relatório de Jarbas pode impedir o desenvolvimento de um mercado livre do gás, com a compra direta do insumo por grandes consumidores. A tarifa paga às distribuidoras chega a 45% do valor do gás usado no processo de produção.

"O substitutivo do senador Jarbas amplia de forma irrestrita e incondicional o monopólio das empresas privadas, que são concessionárias de gás canalizado dos Estados", protestou Mercadante, com expectativa de que a votação ocorra amanhã - ela tem sido seguidamente postergada. Para ele, o texto da Câmara poderá ter aperfeiçoamentos, "mas não retrocessos como esse".

"Num país que precisa expandir o uso do gás e de energia barata, (o relatório) está na contramão. É como instalar pedágio em estrada alheia", ironizou o senador petista, em referência às duas mudanças mais importantes feitas por Jarbas. A primeira impede os consumidores industriais de comprar gás diretamente de importadores. A segunda elimina a possibilidade de autorizações para exploração dos chamados "gasodutos de interesse específico" ou "gasodutos de transferência".

São dutos que ligam a estação de processamento do gás extraído da terra ou do mar às unidades produtivas do mesmo grupo. Um exemplo são as usinas termelétricas ou fábricas de uréia da Petrobras, que é uma auto-consumidora e ficaria impedida de agir dessa forma. A estatal teria que pagar um "pedágio" às distribuidoras estaduais para enviar gás às suas próprias unidades. Com a entrada de empresas privadas nos últimos leilões de exploração, isso poderia afastar investimentos para uso do insumo.

Segundo Mercadante, o substitutivo de Jarbas é "altamente restritivo e prejudicial aos interesses do país". De acordo com Mercadante, essa é a posição do governo, da Petrobras e da indústria do setor, que prevaleceu durante a tramitação da proposta na Câmara. Para o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Ricardo Lima, as indústrias poderiam tornar-se reféns das distribuidoras. O pior, segundo Lima, é que a interpretação dada por Jarbas tem legalidade duvidosa. "Não existe, na Constituição, qualquer menção ao monopólio na distribuição de gás. A Constituição diz que é atribuição dos Estados explorar o serviço de distribuição de gás canalizado, mas sem falar em monopólio ou em exclusividade."

A votação da Lei do Gás é o primeiro item de uma agenda do governo que, segundo Mercadante, passará pela discussão do marco regulatório do petróleo e chegará à discussão dos critérios de distribuição dos royalties. A CCJ tem 23 titulares, a maioria governista. São seis do bloco de apoio do governo (PT, PR, PSB, PCdoB, PRB e PP), seis do PMDB, nove do bloco da minoria (DEM e PSDB), um do PTB e um do PDT.