Título: Os "fichas sujas" e a morosidade da Justiça
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2008, Opinião, p. A10

A polêmica em torno da rejeição das candidaturas de políticos condenados, porém sem sentença transitada em julgado (em instância definitiva), ou respondendo a processos, é complexa e não se resume a manter os políticos supostamente "limpos" e eliminar os "sujos"- aqueles que respondem a processos, foram sentenciados em instâncias inferiores e ainda têm possibilidades de recursos, ou ainda aqueles que foram condenados em última instância. Se a questão fosse pacífica, ela não envolveria conflitos entre as próprias instâncias judiciárias. É o que tem ocorrido.

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio, Roberto Wider, jogou no ar a proposta de impugnar candidaturas de postulantes com "ficha suja" que ainda não foram condenados em última instâncias. Os presidentes de 26 TREs recomendaram aos juízes eleitorais olhar para a vida pregressa dos candidatos antes de registrarem suas candidaturas. Na contramão, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, externaram claras posições contra a medida. Isso quer dizer que a impugnação de uma candidatura de um político dependurado nas várias instâncias da Justiça, porém sem julgamento definitivo, será derrubada em instâncias superiores.

Mendes, aliás, criticou seus próprios pares que chegaram a ensaiar movimentos nacionais para divulgação de listas de candidatos com "fichas sujas". "Eu tenho horror a populismo e muito mais a populismo de índole judicial. Eu não me animo a fazer esse tipo de lista porque eu tenho medo de cometer graves injustiças", disse. Ayres Britto, que num primeiro momento parecia ceder ao "populismo de índole judicial", declarou depois que o TSE não expurgará políticos que são réus em processos criminais, ações de improbidade administrativa ou ações civis pública sem condenação definitiva.

Por trás dessa polêmica existe, de um lado, um grande número de políticos que respondem a processos judiciais. Calcula-se que hoje tenham "ficha suja" quatro governadores, 36 deputados federais, 90 deputados estaduais e 600 prefeitos. O TSE tem uma lista de 3100 autoridades com contas consideradas irregulares pelos tribunais de contas. Do outro lado, todavia, existe o preceito constitucional de que ninguém será considerado culpado sem sentença transitado em julgado, isto é, até que não possa apelar mais por sua inocência. A impugnação de uma candidatura seria impor uma sentença ao candidato antes mesmo que a Justiça o tenha condenado em definitivo.

O preceito constitucional é de uma lógica inapelável. Contudo, persistem as distorções decorrentes da morosidade dos processos e dos julgamentos definitivos; e há uma enorme distorção da imunidade parlamentar e do foro privilegiado, da forma como eles se configuram hoje. Não há dúvida de que, para o político que deve à Justiça, a paquidérmica máquina judicial e os recursos burocráticos fartos são altamente convenientes para retardar a sentença definitiva, e portanto a cassação de seu mandato ou impugnação de sua candidatura. O foro privilegiado, além de circunscrever julgamentos de processos contra deputados federais, senadores e ministros ao STF, que não tem estrutura de investigação, permite que os processos voltem sempre à estaca zero, cada vez que o acusado muda de jurisdição eleitoral - quando um federal se elege estadual, por exemplo, traz o processo que está no STF para o Tribunal de Justiça.

Assim, para que se mantenha o direito do candidato de só ser sentenciado depois da condenação definitiva, e ao mesmo tempo respeitar o direito do eleitor, é preciso que se reveja o foro privilegiado, e que a Justiça corrija suas própria falhas, reivindicando instrumentos legais para acelerar o julgamento desses processos. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) acha que existem candidatos aos montes respondendo à Justiça porque ela demora. Ele sugere que se obrigue o julgamento definitivo de todos os candidatos antes que candidaturas sejam aprovadas pelas convenções partidárias. De outro lado, nada depõe contra a iniciativa de entidades de divulgar a ficha dos candidatos. Desde que a Justiça não se envolva nisso, e portanto não condene sem julgamento, as listas podem ser uma boa orientação ao eleitor.