Título: Fim da festa dos BDRs
Autor: Valent , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 15/07/2008, EU & Investimentos, p. D1

As empresas brasileiras com sede em paraísos fiscais terão mais dificuldade para abrir capital e listar na bolsa de valores recibos de ações, conhecidos pela sigla em inglês BDR.

O Brasil terá regras semelhantes as dos Estados Unidos para controlar esse tipo de operação e garantir que as normas locais para estrangeiros sejam usadas apenas por companhias de capital estrangeiro.

A mudança das regras chega em meio a intensa discussão sobre esse tema. De 2006 para cá, pelo menos seis companhias usaram BDRs para captar recursos na Bovespa, mesmo com a atividade concentrada no país. No total, existem nove empresas com esses papéis na bolsa paulista, mas só três são estrangeiras.

Apesar disso, a fragilidade desse sistema só ficou evidente para os investidores depois que, no fim de junho, três sócios controladores de uma dessas empresas, a Agrenco, foram presos pela Polícia Federal na Operação Influenza, suspeitos por crimes que vão desde desvio de dinheiro da empresa e fraude de balanço à sonegação de impostos.

Foi então que os investidores se deram conta dos limites da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para fiscalizar e punir companhias cuja sede fica no exterior, mesmo quando o negócio é essencialmente brasileiro.

Logo em seguida aos problemas com a Agrenco, o mercado também assistiu ao tombo das cotações dos BDRs da Laep (controladora da Parmalat Brasil) e da Dufry South America.

O banco de investimentos UBS, o mesmo que coordenou a operação de abertura de capital dessas duas empresas, rebaixou a recomendação dos papéis, indicando a venda no curto prazo, e questionou a governança das companhias.

Agora, a regra da CVM vai mudar. Para permitir a emissão de BDR, as empresas terão que provar à autarquia que possuem ampla atividade fora do país e gestores estrangeiros - ou seja, que são, de fato, internacionais.

"Não é para evitar listagem de empresa estrangeira aqui. Muito pelo contrário. Queremos evitar somente o mau uso por companhias brasileiras", afirmou Luciana Dias, superintendente de Desenvolvimento do Mercado de Capitais do regulador.

Para ela, é natural que as regras cheguem depois de algumas experiências concretas. "Essa é a ordem natural das coisas. Dificilmente, o regulador irá se antecipar ao mercado. Queremos um ambiente de qualidade, mas não engessado."

Assim como é exigido pela Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, a empresa que quiser emitir BDR aqui agora terá que ter, pelo menos, 50% dos ativos em operações internacionais e metade dos administradores de origem estrangeira.

Na regra americana que trata dessas listagens, a 3b-4, além desses requisitos, a SEC também exige que metade dos papéis da companhia seja detida por investidores locais.

A superintendente da CVM explicou que esse ponto específico ainda está em análise na autarquia, em função da predominância do estrangeiro no país.

Esses investidores absorveram mais de 75% do volume ofertado pelas companhias brasileiras nos últimos anos - o que significa o aporte de, pelo menos, R$ 103 bilhões desde 2004.

Caso a empresa não se encaixe nos limites da CVM, será considerada uma companhia brasileira e, portanto, terá de seguir todas as regras locais.

A superintendente da autarquia explicou que a CVM decidiu estudar o tema em meados do segundo semestre do ano passado, após perceber a quantidade de companhias brasileiras que estavam usando desse artifício.

"Queremos impedir que empresas brasileiras evitem nossa fiscalização", afirmou Luciana. Para fundamentar suas decisões, o regulador brasileiro pesquisou antes o tratamento do tema fora do Brasil. Daí, a inspiração americana.

As regras para BDRs estão inclusas na revisão da instrução 202, que trata da obtenção de registro no regulador brasileiro. A nova instrução será a cartilha brasileira para todos os tipos de emissores fiscalizados pela CVM, de securitizadoras até as companhias com notas, debêntures e ações.

A expectativa, segundo Luciana, é que a minuta da instrução revisada seja levada à consulta pública entre setembro e outubro. Antes dessa reforma na regra, os BDRs não estavam incluídos na instrução que trata do registro junto à CVM.

Enquanto as novas normas não chegam, as companhias com BDRs são tratados pelas instruções 331 e 332, emitidas em 2000, mesma época em que chegou por aqui o primeiro desses títulos - usado pela espanhola Telefónica numa oferta de troca com os papéis da operadora de telefonia Telesp.

Os especialistas que criticaram o ambiente brasileiro para BDRs foram unânimes em destacar que o problema estava na ausência de regras mais duras para as companhias que listam esses papéis.

A imposição de limites para as companhias que quiserem serem tratadas como estrangeiras atende também às ambições de expansão da Bovespa Holding, que pretende atrair mais empresas latino-americanas. "Também queremos a expansão do mercado brasileiro e que o Brasil seja o pólo de liquidez da América Latina", afirmou Luciana.

Quanto às nove companhias já listadas, que seguiram as regras antigas, a superintendente explicou que a norma não pode ser retroativa. Ou seja, não haverá obrigação de que elas atendam às novas normas da CVM. Entretanto, quando a empresa quiser fazer uma nova captação com esse instrumento, é possível que tenha que se adaptar às exigências.