Título: Proposta opõe Congresso e governo
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2008, Política, p. A7

Escalados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para iniciar o diálogo com os presidentes da Câmara e do Senado sobre reforma política, os ministros Tarso Genro (Justiça) e José Múcio Monteiro (Coordenação política) descobriram, no primeiro encontro, que a resistência do Congresso à interferência do governo será forte. Reunidos em um jantar na casa do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), na noite de quarta, ouviram que o governo pode, se quiser, encaminhar sua proposta ao Congresso. Mas que ela vai entrar na fila e será analisada juntamente com todos as demais iniciativas semelhantes que tramitam no Legislativo.

O governo recuou de sua decisão de considerar a reforma política um assunto pertinente ao Congresso e resolveu, sem maiores justificativas, apadrinhar uma proposta de reforma política. Na reunião da coordenação política da semana passada, Lula pediu a Tarso e Múcio que se encontrassem com os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia e do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), para "azeitar o debate no Parlamento", nas palavras de um político governista com acesso à recomendação do presidente. A idéia é retomar o assunto assim que as eleições passarem.

O projeto de lei que será elaborado pelo Executivo é centrado, especialmente, em três pontos: fidelidade partidária, lista fechada e financiamento público de campanha. Múcio considera o primeiro o mais viável dos três pontos. "Não dá para se falar de financiamento público sem lista fechada. Por isso, acredito que esses tópicos devem ficar mais para adiante". Mas assessores do Ministério da Justiça acreditam que é possível um debate sobre financiamento público, servindo como indutor posterior para o voto em lista fechada.

Se o governo vencer as divergências internas, ainda terá de enfrentar as resistências do parlamento. Esses pontos também estão presentes nos diversos projetos e emendas constitucionais que tratam do assunto no Congresso. "Estamos receptivos a qualquer proposta do Executivo. Mas o governo sabe que a prerrogativa desse debate cabe ao Legislativo", disse Chinaglia aos ministros.

O petista conversou ontem com o presidente Lula sobre o assunto. O presidente queria saber qual a opinião dele sobre a necessidade de uma reforma política. Chinaglia repetiu os argumentos apresentados a Múcio e Genro. "É um assunto extremamente importante. Mas o Congresso também tem um acúmulo de experiência nesse debate e as iniciativas do governo poderão se somar às demais".

Apesar de ainda não ter sido procurado pelos ministros, Garibaldi concorda com o presidente da Câmara. "Ninguém vai descartar a possibilidade de o governo mandar seu projeto, mas o Congresso não dará prioridade ao que o governo pensa", disse Garibaldi. "Acho que o Congresso deve ter o seu projeto de reforma política e, se o governo quiser mandar sua proposta, ela será incorporada e discutida", afirmou.

O Congresso não vê com bons olhos o desejo do governo de entrar no debate agora. Para os parlamentares, o Planalto tem a eterna mania de abraçar causas populares e, quando elas dão errado, tirar o corpo fora e responsabilizar deputados e senadores. Um líder experiente no parlamento lembra que, apesar do impasse, a reforma política chegou até onde chegou sem um mínimo de ajuda do Planalto. "Nós já votamos a reforma em primeiro turno na Câmara sem um mínimo de interferência do governo. Agora eles querem se meter? Tenha santa paciência", reclamou um líder parlamentar.

"O governo não quer ser protagonista de nada. Mas será, evidentemente, um ator de peso nesse processo", afirmou um dos ministros que defendem a interferência do governo. Ciente de que a situação não é nada tranqüila, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), não quis aumentar a polêmica sobre o provável projeto a ser enviado pelo Palácio do Planalto. Afirmou apenas que o Senado já fez sua parte, aprovando uma proposta de reforma política, que foi encaminhada à Câmara dos Deputados. Na opinião de Jucá, por causa das eleições municipais, não haverá tempo para que um projeto tão polêmico como esse seja votado no Congresso ainda neste ano. "Devemos começar 2009 votando a reforma política", disse.

Enquanto o governo realiza consultas públicas para definir quais pontos colocará no projeto, o Congresso vai formar uma comissão mista para sistematizar todos os projetos de reforma política que tramitam na Câmara e no Senado e redigir um projeto de consenso. A iniciativa partiu do líder do PSB no Senado, Renato Casagrande (ES). O DEM era o único partido resistente à comissão. Na quarta-feira, porém, o partido recuou e aceitou a comissão, em conversa com Casagrande, o presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). O receio dos democratas era de que teses como a do terceiro mandato do presidente da República fossem aprovadas no embalo de um debate sobre reforma política. "Eu disse para o presidente Rodrigo Maia que não poderíamos definir uma pauta para a comissão. Mas que propostas deste tipo não prosperariam", disse Casagrande.

Ontem, Casagrande avisou o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), sobre a nova posição do DEM. Ouviu do pemedebista que, feito o acordo, ele convocará sessão do Congresso Nacional para votar o requerimento de criação do colegiado. O senador defendeu que sejam tratados poucos temas na comissão. "Se tentarmos fazer uma proposta abrangente demais, ela não anda".