Título: Disputa consolida oligarquias dos royalties
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 05/08/2008, Especial, p. A14

A disputa entre criaturas e criadores, às vezes dentro da mesma família, é o traço mais marcante na briga pelas ricas prefeituras dos não tão ricos municípios do Norte do Estado do Rio que há uma década engordam seus orçamentos com royalties da produção de petróleo na bacia de Campos, geralmente, com pouco proveito à população. Essa guerra dentro de grupos que se eternizam no poder deixa a impressão de que a proposta de criar uma economia sustentável com o dinheiro dos royalties, para quando o petróleo acabar, não passa de discurso eleitoral enfeitado por ações acessórias.

Dinheiro não falta. Somente Campos dos Goytacazes (a 274 km da capital), que dá nome à região petrolífera responsável por mais de 80% brasileira de óleo e gás, arrecadou do ano passado até este mês R$ 1,21 bilhão entre royalties e participação especial.

"Campos não está nem aí para essa coisa de economia auto-sustentável. Ainda tem pelo menos 50 anos de petróleo", avalia cética a historiadora política e social Sílvia Pantoja, coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Universidade Cândido Mendes em Campos. Nos seus estudos sobre a política no município, Sílvia cunhou a expressão neopopulismo para definir as práticas da dinastia fundada pelo ex-prefeito e ex-governador do Estado Anthony Garotinho.

Para ela, o neopopulismo, que é um fenômeno nacional, resultou das políticas de "Estado mínimo" no âmbito federal. Impossibilitados de acenarem para os eleitores com favores da União, os políticos locais e regionais teriam passado a oferecer obras de efeito imediato, como restaurantes, farmácias e hotéis populares. "Embora não produzam (essas obras) melhoria nas condições de vida da grande massa de baixa renda, trazem satisfações momentâneas e a ilusão de um real compromisso com essa parcela pouco instruída do eleitorado", define a cientista no apêndice de um dos seus trabalhos sobre os processos eleitorais campistas.

Com um orçamento de R$ 1,4 bilhão para este ano, a prefeitura de Campos é o grande duto por onde jorra dinheiro nesse município de mais de 400 mil habitantes que tem apenas o 1.818º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. A economia, que cresceu em torno de uma agroindústria canavieira que não se modernizou (grande parte está desativada), vive hoje de serviços e construção, em grande parte movidos pelo setor público.

É o comando deste aparente "angu de caroço" que está sendo avidamente disputado por seis candidatos, sendo os dois com chances reais de vitória filhos diletos da escola política de Garotinho. Não só filhos: nessa linha está nada a ex-governadora do Estado Rosinha Matheus (PMDB), sua mulher. O maior opositor de Rosinha é o pedetista Arnaldo Vianna, que era vice e assumiu a prefeitura de Campos em 1998, quando o então prefeito Garotinho deixou o cargo para disputar e ganhar o governo do Estado pelo mesmo PDT.

Tanto Vianna como Rosinha lideram alianças com grande número de partidos. O PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está com Vianna cujo PDT, como o PMDB de Rosinha, é da base do governo federal.

A ex-governadora disse que seu aparente recuo da política regional para a paroquial ocorreu "por amor a Campos" que, no sem entendimento, está abandonada na gestão do prefeito Alexandre Mocaiber (PDT), aliado de Vianna. Mocaiber foi eleito em março de 2006, após a anulação pela Justiça Eleitoral da eleição regular de 2004.

Considerado a terceira força do município, o candidato Paulo Feijó (PSDB), um político tradicional da cidade que nunca fez parte do grupo de Garotinho, é visto por observadores como linha auxiliar de Rosinha, o que ele nega. Se Vianna e Rosinha passarem para o 2º turno e Feijó declarar seu apoio à ex-governadora, "Rosinha está eleita", segundo a pesquisadora Sílvia Pantoja. Campos é a única da região com 2º turno.

Em Macaé (a 184 km da capital), que concentra a maior parte dos serviços industriais relacionados com a exploração da bacia de Campos, a disputa é em família. Com R$ 599 milhões em royalties acumulados desde o ano passado e orçamento de R$ 840 milhões para 2008, o município não vem conseguindo transformar a receita do petróleo em bem-estar social e tem mais da metade dos domicílios em favela.

Ainda assim, o deputado federal Sílvio Lopes (PSDB) quer trocar Brasília por um quarto mandato à frente da prefeitura, tendo como maior adversário o atual prefeito, Ríverton Mussi (PMDB), seu afilhado e sobrinho da sua mulher. "Lutei para ele (Mussi) ganhar. Ele ganhou e mudou de lado por não querer ouvir minha experiência", disse Lopes na sala do seu apartamento duplex com piscina e vista para o mar. Segundo ele, seu afilhado não soube gerir o município e deixou de lado obras importantes como a estação de tratamento de esgoto, cujas fundações estão depredadas. Rica, Macaé não tem esgoto tratado.

Para Mussi, o lugar de Lopes deveria ser em Brasília, defendendo a manutenção do atual esquema royalties, questionado por representantes de outros Estados e municípios que se consideram prejudicados. Ele disse que nunca assumiu compromisso de apoiar a volta do padrinho à prefeitura e que sente que seu trabalho "está pela metade".

Disse ainda que não continuou a obra da estação de tratamento porque ela estava embargada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas prometeu concluí-la.

Outro dos cinco candidatos a prefeito de Macaé, o médico Aluízio Santos Júnior (PV) saiu também do núcleo de poder atual . Foi diretor da Fundação Hospitalar do município na gestão de Mussi. Lopes se considera seu padrinho político. Dr. Aluízio, como o candidato se apresenta, é visto como a terceira força na disputa e se considera uma terceira via.

Outra dinastia disputa o poder em Cabo Frio, cidade sem infra-estrutura à altura de sua vocação hoteleira. Com R$ 245 milhões em royalties arrecadados desde 2007, tem orçamento de R$ 420 milhões para este ano. Em 2005, os royalties respondiam por 60% do Orçamento. Este ano o número caiu para 44%, mas a dependência ainda é grande.

O atual prefeito, Marcos da Rocha Mendes, o Marquinho Mendes (PSDB) enfrenta o deputado estadual Alair Corrêa (PMDB), cacique de quase 40 anos na política local, três vezes prefeito, as duas últimas (1997-2004) com Mendes de vice. Até o ano passado, Corrêa era secretário de Governo. Cabo Frio passou nos últimos anos por aperfeiçoamentos urbanísticos, busca dinamizar a educação, mas ainda ostenta muitas favelas e não encontrou alternativa ao turismo sazonal.

Em Quissamã, município desmembrado de Macaé em 1989, três primos se alternaram no poder desde a emancipação e agora disputam a continuidade. Octavio Carneiro (PP-PSB), com três mandatos, Armando Carneiro da Silva (PSC e grande coligação), atual prefeito, e Arnaldo Mattoso (PMDB), prefeito em 1993-1996 e ex-secretário de Agricultura na gestão atual, querem governar novamente essa jóia preciosa, um município de menos de 18 mil habitantes que, somente do ano passado para cá, recebeu R$ 192 milhões em royalties.

Quissamã passa por forte urbanização e busca uma alternativa econômica à falida indústria sucro-alcooleira. Criou uma Zona Especial de Negócios (ZEN), com incentivos estaduais, um pólo de moda íntima, tudo ainda embrionário, e tenta viabilizar um porto offshore em Barra do Furado. Na última pesquisa contratada pelo atual prefeito ao Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), Carneiro da Silva teve 50,5% de apoio, contra 22,2% de Carneiro. Este contesta o resultado, acusa o atual prefeito de perseguição a adversários.

Carapebus, também desmembrado de Macaé (1995) é o menor e mais pobre dos cinco municípios visitados pelo Valor. Ainda assim, embolsou R$ 47,7 milhões de royalties nos últimos 19 meses. Marcadamente agropastoril, pobre em infra-estrutura urbana, como Quissamã, órfão da indústria do açúcar, tenta construir também sua ZEN. Depende da prefeitura para sobreviver, como admite o secretário de Indústria e Comércio, Paulo Arlécio.

O atual prefeito, Rubem Vicente (PMDB), tenta devolver o cargo ao correligionário Eduardo Nunes Cordeiro, que governou nos dois mandatos anteriores. O vice-prefeito Amaro Fernandes dos Santos (PRB) e o petista Jack Manhães tentam impedir uma sucessão quase certa no campo eleitoral.