Título: Por unanimidade, STF restringe algemas
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2008, Política, p. A8

O Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu o uso de algemas a duas hipóteses excepcionais: possibilidade de agressão ou de fuga do acusado. A decisão foi tomada, ontem, por unanimidade, no julgamento de um habeas corpus de um pedreiro acusado de homicídio que permaneceu algemado durante júri popular, em Laranjal Paulista, no interior de São Paulo. Mas terá repercussões para além do caso específico, pois os ministros do STF decidiram editar súmula vinculante para evitar o uso de algemas não apenas nos tribunais do júri. O STF decidiu que as algemas devem ser evitadas também pelas polícias federal e militar. As únicas hipóteses de autorização são: em risco de fuga do acusado e na possibilidade de o mesmo vir a agredir o policial, terceiros ou a si mesmo.

O texto da súmula será redigido pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso do pedreiro, e encaminhado à aprovação dos demais ministros da Corte na semana que vem. Mello disse que o Congresso deve seguir esses dois parâmetros que foram definidos pelo STF ao discutir projetos de lei sobre o uso de algemas. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, anteontem projeto de lei do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) sobre o assunto, e já nesta mesma linha.

O STF irá enviar cópias da decisão para o ministro da Justiça, Tarso Genro, e para os secretários de Justiça dos 27 Estados e do Distrito Federal para que eles reforcem junto às polícias que o uso de algemas só deve ser levado a cabo em situações excepcionais.

A decisão do STF foi tomada em meio à polêmica quanto ao uso de algemas pela PF durante a Operação Satiagraha, em julho passado, na qual o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, foram algemados, mesmo sem resistir à prisão. Nas três sessões que realizaram desde 1º de agosto, quando voltaram do recesso, os ministros do STF tem insistido na preservação das garantias individuais dos acusados. Na primeira, sexta-feira passada, os ministros fizeram elogios ao presidente da Corte, Gilmar Mendes, que concedeu habeas corpus para liberar da prisão os principais acusados na operação. Na segunda sessão, anteontem, os ministros defenderam a garantia da presunção da inocência, ao decidir que os políticos que respondem a processos na Justiça devem receber normalmente o registro de suas candidaturas, caso não tenham sofrido sentença condenatória final. E, ontem, foi a vez de o STF impor restrições ao uso de algemas.

Para Gilmar Mendes, o STF está fazendo "uma pedagogia dos direitos fundamentais". "Está havendo exposição excessiva (dos presos), degradante à dignidade da pessoa humana", comentou o ministro sobre o julgamento de ontem.

Durante a sessão, outros ministros criticaram a exposição de presos. "Esse é um tema sobre fatos que têm se repetido muito", disse o ministro Cezar Peluso. "Se a Corte faz a afirmação de que até nessa situação (do pedreiro) o uso de algemas tem caráter excepcionalíssimo, o que dizer das situações corriqueiras?", completou o ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Marco Aurélio Mello citou o caso do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que foi preso e algemado logo depois de ter renunciado ao mandato de senador. Para o ministro aquele episódio foi uma "presepada". Ele também lembrou do pedido feito pelo ex-banqueiro Salvatore Cacciola para que não fosse algemado em seu retorno ao Brasil. "Num simples acusado resgatado de Mônaco, houve o habeas para ele não ser algemado."

"O ser humano não é troféu que pode ser apresentado por outro em situação vexaminosa", disse a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Segundo ela, a algema se equipara a uma condenação prévia do acusado. Por estar algemado, é como se ele oferecesse perigo, como se fosse criminoso. Foi nessa linha de raciocínio que o STF anulou a condenação do pedreiro. "Se a opinião pública pode ficar suscetível a críticas da imprensa, o que dizer de um júri de uma pacata cidade do interior?", advertiu Peluso.

Demóstenes Torres disse que a decisão do STF "está no caminho da legislação internacional" - de permitir o uso das algemas quando há necessidade (fundado receio de fuga ou risco de que alguém possa se ferir na ação) e proibir quando for desnecessário - e coincide com o teor do projeto de lei de sua autoria, aprovado pela CCJ do Senado, em um primeiro turno.

Segundo o presidente da CCJ, Marco Maciel (DEM-PE), e o próprio Demóstenes, a proposta continuará a tramitar normalmente. O projeto passará por um turno suplementar de votação na comissão, no próximo dia 13, e depois vai diretamente à Câmara. O projeto, além de definir casos em que a algema pode ser usada, estabelece como "abuso de autoridade" a sua utilização fora das regras. "O contexto da decisão do STF só vem reforçar que o Senado está atento e atualizado com as demandas da sociedade", afirmou Maciel. "O fato de o STF ter tomado essa decisão mostra a necessidade de o Congresso regulamentar o uso de algemas. Sempre que o Congresso deixa de fazer uma regulamentação, o STF é provocado a tomar a decisão", disse Demóstenes.