Título: Desafio da alfabetização digital
Autor: Levy , Michel
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2008, Opinião, p. A12

Acrescente importância da Tecnologia da Informação (TI) na economia brasileira é algo que qualquer cidadão pode notar. Não só as vendas de computadores e equipamentos têm aumentado, mas também os investimentos das empresas em soluções que as auxiliem a gerar novos negócios, melhorar a produtividade e aperfeiçoar o controle de suas operações. Graças ao momento de mercado favorável e a uma série de fatores conjunturais, o segmento atravessa uma fase de alta consistente, com boas perspectivas também para os próximos anos.

Os gastos com TI já representam aproximadamente 1,8% do PIB nacional, segundo a consultoria especializada IDC, embora o país ainda esteja abaixo da média mundial (2,5%). Há hoje, aproximadamente 1,1 milhão de trabalhadores ligados diretamente ao setor - e esse número deve ultrapassar 1,5 milhão até 2011. Em unidades de computadores pessoais comercializados, o Brasil já é o quinto colocado no mundo (com 10,7 milhões de máquinas vendidas em 2007). Em 2010, a expectativa é que sejamos o terceiro maior mercado desse segmento, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Mais importante do que a capacidade de geração de empregos diretos é o papel que a Tecnologia da Informação tem no desenvolvimento da economia como um todo. Quanto mais estruturado for esse segmento em determinado país, maior será seu grau de competitividade. É por isso que TI é um dos 12 pilares analisados pelo Fórum Econômico Mundial para medir o Índice de Competitividade Global de uma nação.

O crescimento do uso de computadores, telefones celulares e outros equipamentos tecnológicos é um fenômeno sem volta, mas ainda há um longo caminho a se percorrer até que seus benefícios estejam amplamente difundidos e possam ser usufruídos por todos. O planeta tem hoje 1 bilhão de habitantes incluídos digitalmente. Em contrapartida, há 5 bilhões de excluídos que não conseguem ter acesso a essa realidade. São indivíduos que estão na base ou no centro da pirâmide - e que, portanto, poderiam ter no acesso à tecnologia uma forma de inclusão e ascensão social.

A "alfabetização digital" é fundamental para que essa parcela gigantesca da população mundial aumente suas oportunidades e possa buscar melhores condições de vida. Para o economista indiano naturalizado americano Coimbatore Krishnarao Prahalad, autor de "A Riqueza na Base da Pirâmide" e outros livros sobre o tema, essa parcela da população poderá garantir o crescimento econômico e social de todo o planeta.

-------------------------------------------------------------------------------- O Brasil dá mais ênfase à pesquisa acadêmica, deixando em segundo plano o investimento em novos produtos e serviços --------------------------------------------------------------------------------

Trazer esse enorme contingente populacional ao mundo conectado e às suas possibilidades é uma tarefa de todos. E a educação é, sem dúvida, o ponto de partida. É por meio de uma educação inclusiva e de qualidade que se pode investir no capital humano capaz de levar adiante um projeto de desenvolvimento e inovação. O Brasil alcançou a universalização da Educação Básica, mas ainda sofre quando entra em discussão a qualidade do ensino. O país é o 54º colocado em um ranking de conhecimentos de matemática preparado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) - fica à frente apenas de Tunísia, Qatar e Cazaquistão. Na classificação de capacidade de leitura, estamos em 50º lugar. Em ciência, ocupamos a 52ª colocação entre os 57 pesquisados.

Ao melhorar a qualidade da educação, o Brasil conseguirá fazer girar com mais velocidade o mecanismo da inovação. O país tem tradição de dar mais ênfase à pesquisa acadêmica, deixando em segundo plano o investimento em novos produtos e serviços. Mas dados recentes mostram que essa realidade começa a se alterar. Segundo indicadores do Ministério da Ciência e Tecnologia, os recursos públicos corresponderam a 58,67% do total investido em pesquisa em 2003. Em 2006, o aporte de recursos privados praticamente igualou-se ao de verbas públicas: 49,9% contra 50,1%. Essa mudança traz a perspectiva de que idéias nascidas nas universidades possam ser aperfeiçoadas e colocadas em prática com o auxílio das empresas - e muitas vezes, consigam ganhar escala e se transformar em políticas públicas.

Para que cumpram de fato sua missão, a estrutura de estímulo à inovação e o sistema de ensino devem estar a serviço da criação de empregos e de oportunidades de negócios para um número cada vez maior de pessoas. Parcerias firmadas entre empresas e a academia servem de exemplo para o desenvolvimento de soluções que atendem às necessidades de clientes de diversos portes e áreas de atuação. Essas iniciativas são essenciais para a diminuição do déficit de mão-de-obra qualificada. Também estimulam o desenvolvimento de novas tecnologias voltadas à indústria local e a renovação do espírito acadêmico. Apenas por meio da participação integrada de professores, estudantes, pesquisadores, consultores e produtores de software é possível alcançar os objetivos esperados.

Os resultados são visíveis e relevantes, sempre com a comunidade reagindo com entusiasmo. Em Salvador, por exemplo, 5,6 mil estudantes disputaram recentemente 60 vagas disponíveis em um curso de formação para programadores. Em pouco tempo, um terço dos selecionados já havia sido incorporado pelo mercado de trabalho local.

Investir em pesquisa científica, estimular os avanços tecnológicos e incentivar o empreendedorismo são estratégias certeiras para o surgimento de novas perspectivas para a população. Por meio da educação de qualidade é possível fomentar as oportunidades econômicas e sociais nas comunidades e, conseqüentemente, ter profissionais altamente capacitados para atuar no disputado mercado de trabalho. Para isso, a união entre governo, iniciativa privada e setor acadêmico é fundamental. Só assim a "base da pirâmide" poderá, de fato, se tornar o alicerce de um novo ciclo de desenvolvimento no qual todos sejam beneficiados.