Título: Para Mendes, revisão da Lei da Anistia leva a instabilidade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2008, Política, p. A8

Mendes: crimes são imprescritíveis, mas discussão traz instabilidade institucional O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, criticou ontem, em São Paulo, a possibilidade de revisão judicial dos casos de tortura praticados por agentes do Estado durante o regime militar, que estão contemplados pela lei de Anistia de 1979. Gilmar Mendes afirmou que tanto atos de tortura como de terrorismo são imprescritíveis, mas não se deve voltar ao assunto agora, porque isso "traz instabilidade institucional" ao país.

A discussão sobre a Lei da Anistia foi levantada há cerca de duas semanas pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, e pelo secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que defenderam a punição para torturadores no período da ditadura. A proposta provocou a reação de militares de reserva, que promoveram um ato no Clube Militar do Rio marcado por ataques a Genro. O ministro descartou rever a lei, mas reafirmou a tese de que tortura não é crime político e, portanto, estaria fora do espírito da anistia aprovada há 29 anos.

Preocupado com a polêmica , o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou colocar um ponto final na polêmica iniciada por Genro. Para interlocutores, Lula não escondeu sua contrariedade com o surgimento desse debate. Ainda na China, quando viajou para participar das Olimpíadas de Pequim, o presidente Lula determinou que Genro encerrasse o debate. O consenso é de que Lula não deve associar pessoalmente sua imagem nesta crise. A solução encontrada é de afirmar que essa é uma questão do Judiciário.

O presidente não escondeu sua surpresa com a rápida organização dos militares da reserva e até mesmo da ativa que se reuniram na semana passada no Rio de Janeiro para protestar contra Genro. Foi promovida uma reunião com cerca de 600 participantes, inclusive do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI de São Paulo entre 1970 e 1974 e autor de obras que defendem a atuação dos órgãos de repressão no regime militar. Na reunião, à paisana, estavam o comandante militar do Leste , general Luiz Cesário da Silveira e o chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa, general Paulo César Castro.

Depois de se explicar perante o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a reunião da coordenação política, o ministro da Justiça, Tarso Genro, negou ontem que tenha proposto qualquer revisão da Lei de Anistia em vigor no país. O núcleo do Executivo, reunido no Planalto, definiu que esse assunto não cabe ao poder Executivo, mas ao Poder Judiciário. Genro, que na semana passada provocou um imenso mal-estar nos quartéis ao defender a punição àqueles que praticaram tortura no governo militar, disse que não levou nenhum puxão de orelhas do presidente - embora ressaltasse que, se quisesse, Lula teria esse direito.

O ministro assegurou que a questão da punição aos possíveis torturadores não foi discutida durante o encontro. Reconheceu que suas declarações na semana passada, durante seminário em que foi discutido o assunto, são polêmicas e geram embaraço. "Mas não me arrependo do que disse, porque as minhas palavras expressam uma opinião da sociedade e estão expressas em algumas interpretações das leis internacionais".

O presidente Lula participa hoje de cerimônia de promoção de novos oficiais generais. Assessores do presidente não acreditam, contudo, que Lula vá tocar no assunto durante a solenidade, já que o protocolo padrão desses tipo de evento não prevê discursos presidenciais.

Se desagradou ao Planalto, a iniciativa de Genro ganhou um apoio público na página do PT na internet. Em artigo publicado nesta segunda, o secretário Nacional de Movimentos Populares do partido, Renato Simões, membro da Executiva Nacional, afirmou que a reparação às vítimas de tortura é uma promessa de campanha .O dirigente partidário saudou os ministros Genro e Vannuchi por terem colocado o assunto "na ordem do dia". "Faltam pouco mais de dois anos para o encerramento do governo e entre os pontos que ainda faltam ser concretizados de seu programa estão a abertura dos arquivos militares ainda não divulgados e a reparação plena dos ex-presos políticos, suas famílias e das gerações que aguardam um reencontro do Brasil com seu passado para alavancar um futuro ainda mais democrático e justo", afirma o texto.

O secretário petista critica ainda o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se contrapôs a Genro na polêmica sobre a revisão da anistia. Simões disse que Jobim " lutou bravamente contra a homologação de reservas indígenas como Raposa Serra do Sol e agora busca colocar pá de cal sobre o debate suscitado pela luta dos familiares de mortos e desaparecidos e integrantes progressistas do governo", afirmou. (Paulo de Tarso Lyra, com agências noticiosas).