Título: País opera quase no limite da capacidade
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2008, Brasil, p. A5

A utilização de recursos em toda a economia está em níveis elevados, mostrando forte correlação com a trajetória da inflação, de acordo com estudo do Banco Real Private Banking. Nesse cenário, a despeito da queda dos preços de commodities, o Banco Central (BC) deve continuar a aumentar os juros nos próximos meses, levando a taxa Selic, hoje em 13% ao ano, para 14,75% no fim de 2008, acredita o economista Fábio Susteras. Ele construiu uma espécie de nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) para toda a economia, que atingiu 86,8% no segundo trimestres deste ano, o segundo patamar mais elevado da série depois dos 87,6% atingidos no quarto trimestre de 2007 e um pouco acima dos 86,6% registrados entre janeiro e março de 2008.

Para medir a capacidade instalada global, Susteras elaborou medidas do nível de utilização de recursos para a agricultura e para os serviços - no caso da indústria, ele usou o Nuci da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Na agricultura, Susteras comparou as terras utilizadas na última safra com a quantidade de terras disponíveis. Em serviços, utilizou a evolução da taxa de pessoas empregadas no setor. "Nesse segmento, o fator trabalho tem um peso grande."

O passo seguinte foi ponderar os índices pela participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB), com base no resultado das contas nacionais, usando como parâmetro inicial os números do segundo trimestre de 2006. No primeiro trimestre de 2008, por exemplo, a participação da agricultura ficou em 6,96%, a da indústria, em 26,17% e a de serviços, em 66,87%. Como o PIB de abril a junho ainda não foi divulgado, Susteras usou as mesmas ponderações do período de janeiro a março.

Depois disso, ele correlacionou a evolução do Nuci global com a média trimestral do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). "A correlação se mostrou muito alta, atingindo 0,9 no caso do IGP-M e de 0,81 no do IPCA", afirma Susteras, explicando que, quanto mais próximo de 1, mais correlacionado é o comportamento das variáveis.

Para ele, isso mostra que o descompasso entre a oferta e a demanda é fundamental para explicar a alta dos índices de preços, indicando que a demanda de fato pressiona a inflação. Nesse quadro, ele prevê que o BC vai elevar os juros em 0,75 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária do mês que vem e depois promover mais duas altas de 0,5 ponto nos outros dois encontros. Susteras acha que a queda das commodities deve ajudar a trazer a inflação para baixo, mas não a ponto de permitir que o aperto monetário iniciado em abril possa ser interrompido.

O "Nuci global" mostra uma acomodação em níveis elevados. Houve uma ligeira queda do quarto trimestre do ano passado para o primeiro deste ano, mas houve uma pequena alta no segundo. A maturação dos investimentos, que crescem a um ritmo superior a dois dígitos desde 2006, ajudam a explicar por que a utilização de capacidade se acomoda mesmo num período em que a atividade econômica continua a avançar.

Susteras reconhece que o seu estudo não considera a produtividade. Ganhos de eficiência na economia permitem que, com o mesmo nível de utilização de recursos, seja possível produzir mais. Segundo ele, a produtividade aumenta especialmente na agricultura e na indústria. Nos 12 meses até junho, a produtividade do trabalho na indústria geral cresceu 4,1%, diz ele. "Mesmo assim, os números mostram que a capacidade instalada se encontra num nível elevado, indicando um descompasso entre a oferta e a demanda."

Entidades empresariais costumam atacar a noção de que um nível elevado de capacidade instalada é algo muito preocupante. O diretor titular do Departamento de Pesquisas Econômicas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Francini, costuma dizer que gosta de um "Nuci gordo", porque, junto com a perspectiva de expansão futura da demanda, o alto nível de utilização ajuda a estimular investimentos.