Título: Em dia de crise, voltam as lições do passado
Autor: Izaguirre, Mônica; Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 10/09/2008, Brasil, p. A4

No momento em que o Brasil atravessa, pela primeira vez na história contemporânea, uma crise financeira mundial sem apresentar séria vulnerabilidade externa, o seminário de comemoração dos 200 anos do Ministério da Fazenda mostrou o quão difícil foi, para ex-titulares da pasta, enfrentar as crises anteriores e como cada um avalia que contribuiu para pavimentar o caminho que permitiu ao país, hoje, estar mais sólido e menos exposto aos abalos dos mercados internacionais.

O segundo dia de palestras foi aberto pela ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, única mulher a ocupar o posto e "mãe" do mais polêmico plano de estabilização adotado no Brasil. Anunciado no início do governo Fernando Collor, em março de 1990, o Plano Collor bloqueou depósitos bancários e aplicações financeiras. A medida propiciou alongamento compulsório da dívida pública interna, na época refinanciada diariamente.

Ela defendeu que o plano foi necessário principalmente para conter o inflacionário e gigantesco potencial de monetização imediata da economia. O risco de muito dinheiro sair rapidamente dos bancos, gerando mais pressão sobre consumo e inflação, existia porque as aplicações eram quase todas de curtíssimo prazo, com liquidez diária (overnight) e, portanto, " quase moeda". "Avaliamos a gravidade da situação e ficou claro que a escolha tinha que ser pragmática e não ideológica", justificou.

Quando ela assumiu, a inflação estava em 84% ao mês. O Brasil era uma economia ainda relativamente fechada ao comércio internacional e estava em moratória da dívida externa havia cerca de meia década - por causa do desaparecimento do crédito externo ao país (pelos altos juros nos Estados Unidos) e dos impactos do segundo choque do preço do petróleo (início dos anos 1980).

A ex-ministra acha que seu plano foi bem sucedido em derrubar mas não em debelar a inflação, entre outras razões, porque o país precisava de reformas estruturais de efeito demorado, como redução da máquina estatal e abertura da economia. Ao induzir uma modernização industrial e ganhos de competitividade, o início do processo de abertura comercial, disse, foi sua principal contribuição para o Brasil atingir o estágio "afortunado" em que se encontra.

Após a palestra, ela disse que o país está "extremamente preparado" para superar a atual turbulência mundial, principalmente graças ao nível de reservas cambiais e ao controle da inflação. Referindo-se às altas de juros, Zélia afirmou que o governo "está absolutamente correto em preservar a estabilidade a qualquer custo".

Marcílio Marques Moreira, que sucedeu Zélia em maio de 1991 e ficou até outubro de 1992, gravou um depoimento onde avalia que também foi bem sucedido em "segurar as pontas" e evitar a deterioração dos indicadores econômicos em meio à turbulência política que culminou no impeachment de Collor (setembro de 1992). Destacou que conseguiu acordo para reestruturar parte da dívida externa, o que permitiu novos financiamentos, e entregar o país com reservas cambiais de US$ 20 bilhões. Mas entende que seu maior desafio foi recuperar a confiança no sistema financeiro, abalada pelo confisco das poupanças. Isso exigiu antecipar a liberação de recursos bloqueados e, por consequência, adotar uma política de juros altos para coibir a monetização. Ele disse não saber se era possível evitar, mas considera que o confisco foi exagerado. Noutra crítica ao confisco, ele disse que há medidas de controle da inflacionário que podem ser mais perniciosas do que a própria inflação.

Outro ex-ministro ouvido ontem foi Paulo Haddad (dezembro de 1992 a março de 1993), que assumiu a Fazenda já sob o governo Itamar Franco. Além da importância da recriação do Ministério do Planejamento (extinto por Collor), ele destacou a determinação de Itamar em arriscar um novo plano econômico e entregar o país com uma moeda estável. Foi Itamar, na sua opinião, que assumiu o risco político do Plano Real, que viria a ser concebido pela equipe de Fernando Henrique Cardoso, ministro da pasta de maio de 1993 a março de 1994, e anunciado em julho de 1994 por Rubens Ricúpero

Em depoimento gravado, Fernando Henrique destacou os méritos do Real, que finalmente estabilizou a moeda brasileira e que envolveu, além de reforma monetária, longo e bem-sucedido ajuste fiscal. Ele lembrou que, na época, Lula negou apoio ao Plano, que anos depois viria a ser defendido pelo PT. Destacou ainda que sua equipe conseguiu acordo de reestruturação da dívida externa com bancos privados, formalizado em abril de 1994, mesmo sem apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), o que permitiu ao Tesouro Nacional retomar emissões competitivas de títulos de dívida no mercado externo. Sucessor de Fernando Henrique na pasta, Rubens Ricupero lembrou, por outro lado, que foi justamente a falta de um acordo "stand by" com o FMI que permitiu o lançamento da nova moeda. Na sua opinião, o ponto central do sucesso do Plano Real foi a mediação com a sociedade, pois o governo adotou linguagem clara e evitou surpresas.

Para Ricupero, a situação fiscal do Brasil é, atualmente, "infinitamente" melhor do que a enfrentada pelo governo Itamar. Ainda assim, recomendou ao governo evitar aumento dos gastos acima do crescimento do PIB; citou o segmento de automóveis como exemplo de consumo super aquecido; e defendeu uma redução de prazos nos financiamentos. Segundo o ex-ministro, Mantega já cogitou adota-las e acha que no momento oportuno ele fará as mudanças.

O ex-ministro Pedro Malan, que assumiu a pasta em 1995 com a eleição de Fernando Henrique a presidente, também enviou depoimento gravado. Ressaltou que o Brasil vem sendo beneficiado pelos vários anos seguidos de fundamentos estáveis da economia.

Malan citou, como exemplos, o regime de metas de inflação, a política de câmbio flutuante, os superávits primários que garantem equilíbrio fiscal, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o saneamento dos bancos públicos e privados, a reestruturação da dívida de 25 Estados e 180 municípios e os investimentos das privatizações que deram um salto de qualidade em vários setores que precisavam de investimento. "O atual governo e o Brasil beneficiaram-se dessa herança, que não tem nada de maldita", disse. Também participaram do seminário, ontem, os ex-ministros Ciro Gomes, último do governo Itamar, e Antonio Palocci, antecessor de Mantega no ministério.