Título: UE reduz meta para uso de biocombustível
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2008, Agronegócios, p. B13

Um comitê chave do Parlamento Europeu votou ontem pela redução drástica na meta de uso de biocombustíveis no transporte terrestre até 2020 na União Européia (UE), ameaçando o projeto brasileiro de transformar o etanol numa commodity global.

Os líderes dos 27 países-membros da UE tinham aprovado a meta de 10% de utilização de etanol e biodiesel, no ano passado, para combater as emissões de gases de efeito-estufa.

Ontem, o Comitê Industrial do Parlamento Europeu, que lidera o debate sobre clima e energia, alterou o enfoque sobre energia renovável, reduzindo o espaço para etanol e procurando introduzir eletricidade, ou uso de carro elétrico, por exemplo, como alternativas.

A votação fixou uma meta intermediária de 5% no uso de energia renovável até 2015 no transporte terrestre europeu. No total, 80% viriam de biocombustíveis de primeira geração, como é o caso do etanol brasileiro, e 20% de eletricidade (carro elétrico), hidrogênio renovável ou biocombustíveis de segunda geração.

Em 2020, seria alcançada a meta de 10%, dos quais 40% teriam que vir de eletricidade renovável e biocarburante de segunda geração, cortando significativamente o espaço para o etanol brasileiro e outros combustíveis derivados de produtos vegetais.

Essa votação foi importante, mas não é ainda a cartada final. O projeto que será submetido ao plenário dependerá de um acordo político entre o Parlamento, a Comissão Européia (o braço executivo da UE) e o conselho de representantes dos 27 Estados membros - e os três divergem.

O ponto que causa maior confronto entre o Parlamento e o Conselho Europeu, a instância mais poderosa do bloco, é sobre a redução da meta de uso de biocombustível de 10% para 6%. Alguns governos consideram que os deputados propõem algo irrealista, por ser pouco provável dispor de carro elétrico em grande escala em 2020, e biocombustível de segunda geração em quantidade suficiente. "Carro com hidrogênio, então, esquece", diz um analista em Bruxelas.

"As instituições européias têm dúvidas sobre biocarburante e por isso têm a proposta de revisão na meta em 2014 para ter melhor conhecimento científico", acrescenta ele.

A decisão de ontem do Comitê Industrial reflete a que ponto chegou a pressão da opinião pública européia, que transformou o etanol e o biodiesel em vilões, acusados de terem aumentado os custos dos alimentos, de gerarem pobreza e causarem desmatamento das florestas.

As Organizações Não- Governamentais (ONGs) a princípio ficaram a favor dos biocombustíveis, mas mudaram radicalmente sua posição com a crise alimentar. Adrian Bebb, da Amigos da Terra, disse em Bruxelas que o voto "reconhece os sérios problemas com o uso em grande escala de biocombustível. Usar produto agrícola para alimentar carro é uma falsa solução para combater mudança climática e poderia tornar irreversível a perda de espécies naturais e aumentar a miséria de milhões de pessoas".

Em meio a pressões inclusive para a União Européia abandonar a meta, o Comitê Industrial manteve, em todo caso, o compromisso político europeu pela meta de uso de etanol, num contexto em que está complicado ser a favor de biocombustíveis.

"Todo mundo gosta de energia renovável, mas biocombustível virou vilão, e os deputados [europeus] terão eleição no ano que vem", observa uma analista.

A votação não foi boa para o Brasil, porque se for confirmada compromete a criação de um mercado internacional para o etanol produzido no país.

Tampouco está definido o debate sobre uso de etanol produzido em terra degradada, com conceitos muito estritos provocando fortes divergências entre as instituições européias.

O setor privado brasileiro está tentando convencer os europeus a usar a definição de terra degradada da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A França quer aprovar um projeto sobre a meta até dezembro, quando acaba sua presidência da UE.