Título: Pacote deve evitar o pior, mas Brasil vai crescer menos
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2008, Finanças, p. C6

O pacote de US$ 700 bilhões lançado pelo Tesouro americano para resgatar o sistema financeiro vai na direção correta e deve reduzir o impacto da crise sobre o Brasil, mas não impedirá que o país cresça menos e tenha um câmbio mais desvalorizado, segundo economistas brasileiros ouvidos pelo Valor. Se um crescimento abaixo de 3% no ano que vem parece improvável, a turbulência internacional também torna remota a possibilidade de uma expansão de 4,5%, como vinha prevendo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Magdalena Gutierrez/Valor

Loyola: pacote americano pode ser "o começo da solução dos problemas" no sistema financeiro americano

Para o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria, o socorro financeiro arquitetado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, pode ser "o começo da solução dos problemas" no sistema financeiro americano. Ele acha que, com o pacote, os EUA devem evitar a repetição da história de estagnação japonesa nos anos 90, quando o país ficou dez anos sem crescer por conta das dificuldades não resolvidas no setor bancário, devido ao acúmulo de títulos podres. "Mas o diabo está nos detalhes, e ainda há pontos importantes para serem definidos, como o nível de preços a que serão compradas os títulos hipotecários das instituições financeiras americanas", diz Loyola.

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, também destaca essa questão: se o governo comprar os papéis a preços aviltantes, pode descapitalizar demasiadamente os bancos; se os adquirir a cotações elevadas, vai premiar quem teve um comportamento imprudente. Para Belluzzo, podem ser necessárias medidas para aliviar o peso das dívidas dos consumidores, assim como a injeção de recursos em instituições financeiras com problemas de capital.

Dirceu Bezerra Jr., fundador da Rosenberg & Associados, gostou da decisão do Tesouro: "Atuações tópicas não eram eficazes no atual cenário. Uma crise sistêmica requer tratamento sistêmico." Para Bezerra, o ideal é que os custos sejam divididos entre contribuintes, acionistas e aplicadores, de modo a que não haja estímulo à formação de novas bolhas no futuro.

Loyola diz que o pacote deve fazer com que a recuperação dos EUA seja mais rápida do que se temeu na semana passada, embora diga que 2009 será um ano de baixo crescimento para a economia americana. Vale dizer que todos os analistas trabalham com o pressuposto de que o Congresso aprovará o projeto rapidamente. Sem isso, a instabilidade pode voltar.

Para o Brasil, as ações do governo americano são positivas, porque tendem a evitar um quadro de colapso no sistema de crédito internacional e uma recessão global prolongada. De qualquer modo, o crédito vai ficar mais escasso e mais caro.

"O pacote deverá trazer mais tranqüilidade para o mercado, mas haverá uma desaceleração da atividade econômica nos próximos 12 a 18 meses para todo o mundo", diz o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander. Para ele, ainda é possível um crescimento de 3,5% no ano que vem, um número ainda razoável, mas menor que os 5,3% projetados para 2008. Schwartsman acredita que o câmbio tende a ficar mais próximo dos níveis atuais - na sexta-feira, fechou a R$ 1,831 - do que de R$ 1,60. Com preços de commodities mais baixos, o Brasil deve ter uma moeda mais desvalorizada, diz ele.

O economista-chefe do Pátria Investimentos, Luís Fernando Lopes, também acredita que o câmbio tende a se acomodar nos patamares atuais. Segundo ele, o pacote deve evitar pioras adicionais na oferta de crédito externo para o Brasil. Além disso, a desmontagem abrupta das apostas na valorização do real, tanto no Brasil como no mercado externo, já chegou ao fim ou está próxima disso. Com essa combinação, a moeda deve parar de se depreciar, diz Lopes.

Schwartsman relativiza o impacto da queda do crédito externo para o país. Segundo ele, nos 12 meses até agosto, os empréstimos externos e as emissões de dívidas encolheram US$ 17,5 bilhões, um número que não é tão grande em relação ao volume de financiamentos domésticos. As novas concessões de empréstimos para as empresas atingiram quase R$ 1 trilhão no período. A crise externa é ruim para o Brasil, mas a principal fonte de financiamento para as companhias é local."

O analista Armando Castelar, da Gávea Investimentos, também diz que o Brasil crescerá menos daqui para a frente, num cenário em que haverá menos financiamento e em que a rentabilidade do investimento em setores ligados a commodities ficará menos atraente, devido à queda dos preços desses produtos. Com a expectativa de desaceleração da economia global, a demanda pelas exportações brasileiras será menor, acrescenta. Ele vê um crescimento mais próximo de 3% do que de 4% em 2009.

Loyola considera que um PIB na casa de 3,5% no ano que vem é possível. "Para o Brasil crescer menos de 3%, só se esse pacote americano não tiver nenhum sucesso", diz ele, para quem o câmbio deve ficar mais próximo de R$ 1,80, devido à redução nos fluxos de capital e de piora nos preços de commodities.

Belluzzo prefere não arriscar uma previsão para o crescimento do PIB em 2009 e para o nível do câmbio, embora diga que alguma desaceleração da atividade é inevitável e que o câmbio entrou em tendência de desvalorização. Para ele, o Brasil tem como grande trunfo as reservas de mais de US$ 200 bilhões. Belluzzo diz que o governo deve usar instrumentos para atenuar o impacto da crise sobre o crédito, como aumentar os financiamentos por meio do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Outras opções são reduzir os elevados compulsórios bancários e no mínimo interromper o ciclo de alta de juros. Em caso de deflação global, pode ser o caso de reduzir as taxas.

Schwartsman discorda, dizendo que o BC deve continuar o aperto monetário. Para ele, é necessário desacelerar o ritmo de expansão da economia, num momento em que a demanda doméstica cresce mais do que o PIB. Com a piora dos termos de troca, não será mais possível as importações aumentarem com força sem pressionar demais o câmbio e o balanço de pagamentos, diz Schwartsman.