Título: Exército toca 80 obras; a maioria é do PAC
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/12/2008, Transporte, p. C2

João Pessoa, 1 de Dezembro de 2008 - Preocupado em garantir, diante dos impactos da crise financeira, a continuidade dos investimentos nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ao mesmo tempo em que enfrenta dificuldades com o Tribunal de Contas da União para manter o repasse de recursos a projetos do programa onde o órgão detectou irregularidades, o governo federal encontrou uma válvula de escape rápida e barata para dar vazão às necessidades do cronograma planejado pela Casa Civil: o Exército brasileiro.

Por meio de uma série de acordos entre o governo federal e as Forças Armadas, diversas obras do PAC têm sido tocadas pela Diretoria de Obras de Cooperação (DOC) do Exército. Em todo o País, já são 80 projetos, a grande maioria deles parte do PAC, executados pelos batalhões de engenharia. Entre estas obras, estão o projeto de integração do Rio São Francisco, a restauração da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, e da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém (PA), além das reconstruções do aeroporto de Natal e do porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina. O Exército abocanha, hoje, o equivalente a 5% dos recursos para obras do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit). Um repasse anual próximo aos R$ 200 milhões.

A reportagem visitou um desses canteiros onde cabos e tenentes fardados substituem operários da construção civil tradicionais. Dos 320 quilômetros da BR-101, que liga Natal a Recife, em obras de restauração e duplicação, 140 quilômetros estão sob a responsabilidade da engenharia do Exército.

A DOC assumiu três de um total de oito trechos da rodovia inicialmente licitados para a iniciativa privada. Os lotes, como são chamados os trechos, foram entregues aos militares após uma série de impugnações dos processos de licitação.

Lula ameaçou, briga parou

O governo tinha a intenção de iniciar as reformas ainda em 2003, muito antes do lançamento do PAC. Mas bastava uma empresa sair derrotada de uma licitação para impugnar o processo e exigir outro. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou: se as empreiteiras não entrassem em acordo ou respeitassem o resultado das licitações, iria entregar as obras para o Exército. Dito e feito. Imediatamente, a briga entre as construtoras no restante dos lotes cessou.

Os interesses acirrados em torno das obras da BR-101 se justificam pelos valores elevados envolvidos no projeto. Só a parte do Exército está estimada em R$ 500 milhões. A obra como um todo custará algo próximo a R$ 1,5 bilhão.

A mão-de-obra militar empregada pela DOC na BR-101 supera mil homens. Fora o efetivo que a engenharia do Exército, a exemplo do que costumam fazer as empreiteiras privadas, terceiriza para outras empresas.

O trabalho na rodovia consiste na restauração do asfalto da via já existente e , no caso da duplicação da BR, não com asfalto, mas com concreto, a chamada pista rígida. Enquanto o asfalto dura no máximo 10 anos e precisa de manutenção constante, o concreto, em condições adequadas, pode ter uma durabilidade de até 50 anos com muito menos trabalho de manutenção. A diferença é suficiente para que, mesmo custando R$ 2 milhões o quilômetro, a pista rígida ainda leve vantagem sobre a flexível, cujo custo do quilômetro não costuma passar dos R$ 800 mil.

Embora o governo aposte cada vez mais no Exército como solução eficiente para driblar não só os custos de obras do PAC, mas também dificuldades envolvendo licitações de projetos do programa, os militares não estão livres de muitos dos problemas que afligem as empreiteiras privadas. Na BR-101, a DOC tem redobrado os esforços para conseguir cumprir o cronograma. Ao longo dos trechos percorridos pela reportagem, mesmo que fosse possível encontrar locais em fases avançadas das obras, parte ainda passava pelos estágios iniciais da duplicação.

Entre as dificuldades que tiram o sono da engenharia do Exército estão o volume excessivo de chuvas no ano, a lentidão dos processos de obtenção de licença ambiental e a desapropriação de residências localizadas na margem da rodovia - mais de mil famílias já foram realocadas -, além do solo mole encontrado em alguns dos trechos.

Apesar das dificuldades, o Exército brasileiro cumprirá a missão dentro do prazo estipulado pelo presidente - promete o disciplinado coronel Tito Tavares, Comandante do 1 Batalhão de Engenharia e Construção. A previsão da DOC é de que até o fim do ano algo entre 40 a 45 quilômetros dos 140 quilômetros sob encargo das Forças Armadas estejam entregues. O prazo final para conclusão das obras vai até abril de 2010 para alguns dos trechos.

A atuação dos militares na região não fica devendo à de gigantes da construção civil presentes em outros lotes da BR-101 como a Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht. Pelo contrário: a pavimentadora de concreto utilizada pelo Exército na obra, importada da Alemanha em 2005 por R$ 4,5 milhões, é equipamento de ponta em tecnologia de construção de rodovias e o número de máquinas semelhantes nas mãos da iniciativa privada brasileira não passa de três.

A usina de asfalto utilizada pelo Exército na BR-101 já foi sondada por empreiteiras para ser empregada em obras como a construção de novos setores do Rodoanel, em São Paulo. Engenheiros militares, qualificados nas Forças Armadas, são constantemente assediados pelas construtoras e trocam a farda pelo traje civil de olho em salários até quatro vezes maiores.

"Não tem problema, não ficamos chateadas com isso", comenta o general Jorge Ernesto Praxe, comandante do Grupamento de Engenharia de João Pessoa. "Faz parte da função social do Exército. ", acrescenta

Guerra sem tiros

A execução da obras, por parte do Exército costuma sair, de acordo com o Diretor de Obras de Cooperação do Exército, general José Cláudio Fróes de Moraes, de 10% a 15% mais em conta do que quando a iniciativa privada entra em cena. Legalmente, são as leis complementares 97/1999 e 117/2004, que tratam da organização das funções das Forças Armadas, que abrem a possibilidade do emprego do Exército em obras ordinárias.

"Uma das funções principais do Exército é se adestrar, estar preparado para realizar, quando necessário, seu trabalho", diz o general. "Nesse caso específico, o mesmo trabalho de engenharia que faríamos durante uma guerra. A única diferença é que estamos fazendo isso sem tiros sendo disparados contra nós, o que facilita bastante."

A parceria entre o governo e as Forças Armadas foi ampliada tanto nos últimos meses com o PAC que começa a sobrecarregar a engenharia do Exército. "Nós já estamos praticamente em nossa capacidade total de operação", revela o general Fróes. "Mas é claro que, quando há a solicitação por parte do governo federal, fazemos o possível para atender".

Mesmo trabalhando próximo do limite, a engenharia do Exército também começa a articular para se manter entre as opções preferenciais da União para a execução de obras. A DOC pleiteia, agora, participar de pelo menos parte dos projetos de continuidade da duplicação das rodovias do litoral nordestino.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 2)(Raphael Bruno - Viajou a convite do Exército)