Título: Reforma sem consenso
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2011, Economia, p. 15

Seminário mostra que especialistas e o governo não se entendem quanto a eventual mudança nas aposentadorias

Não vai ser fácil mexer nas regras da aposentadoria dos brasileiros. Isso ficou claro ontem no primeiro dia de debate sobre O futuro da Previdência Social no Brasil. Nem os especialistas nem os políticos conseguem defender um desenho em comum. O único consenso, segundo o ministro Garibaldi Alves, é que a Previdência é o sistema mais eficiente na distribuição de renda no país. ¿Se não fosse ela, 23 milhões de pessoas estariam condenadas à situação de pobreza¿, destacou.

O ministro chamou a atenção para o desafio que o sistema tem pela frente: manter o equilíbrio financeiro frente ao envelhecimento da população. Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os 20 milhões de idosos existentes hoje serão 64 milhões em 2050. ¿A Previdência precisa se preparar para a mudança de parâmetros¿, disse Garibaldi na abertura do seminário promovido com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Na mesa de abertura dos trabalhos ficou clara a divisão: o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco, defendeu que as mudanças olhem para o futuro e só atinjam os trabalhadores que forem ingressar no sistema após uma eventual reforma. Mais radical, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) disse que a Previdência só é deficitária porque banca os benefícios assistenciais, de obrigação do Tesouro Nacional.

Durante a primeira parte do seminário, ficou claro que, se depender da disposição do governo, não haverá nova proposta de alterações constitucionais. Os técnicos do ministério preferem falar em pequenos ajustes e mudanças infraconstitucionais. Disposição para a luta o ministro Garibaldi Alves demonstra quando se trata de completar a reforma feita pelo governo Lula no sistema do setor público.

A reforma ficou inconclusa porque o fundo que criaria a Previdência complementar dos servidores está parado na Câmara dos Deputados ¿ com ele, o regime público só bancaria integralmente benefícios até o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de R$ 3.689,66. A tramitação está travada, admitiu o ministro, porque nem o próprio setor público se entende sobre a matéria. O Judiciário, por exemplo, quer um fundo só para ele.

Muitos especialistas acreditam que o governo comete um erro ao não propor uma reforma, mesmo que seja para os novos trabalhadores. Um deles é o economista Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP). Baseado num modelo matemático, o professor concordou com a posição política de que é enorme a resistência para se fazer uma reforma que atinja os atuais trabalhadores.

¿É mais viável politicamente uma reforma para os futuros¿, constatou. Para esses, segundo Zylberstajn, o governo poderia colocar uma idade mínima elevada. O efeito fiscal seria de longo prazo, mas a percepção seria imediata, assegurou. ¿O problema fiscal no Brasil tem nome. É a Previdência social¿, afirmou. Outro dado apresentado por ele é que a contribuição previdenciária (soma dos recolhimentos de patrões e de empregados) poderia ser de 17%, em vez dos 31% atuais, se a Previdência não arcasse com o pagamento dos benefícios não contributivos.

O pesquisador Paulo Tafner, do Ipea, ressaltou que ¿o Brasil ainda é jovem, mas gasta tanto quanto a Alemanha¿. Segundo ele, para que a relação do gasto previdenciário em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) seja constante, é preciso que o país cresça mais de 4% nos próximos 20 anos, o que é pouco provável. ¿Do jeito que as coisas estão, vamos comprometer 15% do PIB em 2050.¿

Pensões na mira Como o governo não deu qualquer sinal de que vai fazer uma reforma, a instituição de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição vai demorar. Mas o ajuste nas regras de concessão das pensões por morte pode sair do papel. Entre as propostas, está a exigência de um período mínimo de contribuição e a extinção da pensão, no caso de novo casamento. Hoje, as 6,6 milhões de pensões pagas pelo INSS representam um terço do gasto previdenciário.