Título: Angra sob suspeita
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2011, Mundo, p. 22

Terceira unidade foi retomada sem atender a normas internacionais de segurança

A retomada do licenciamento e da construção da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ), foi feita sem atender à norma sobre acidentes severos estabelecida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Ao conceder a licença, em maio de 2010, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) ignorou a norma da AIEA por entender que ela só se aplicaria a projetos novos, como manifestou ao Ministério Público Federal (MPF) em Angra dos Reis. O projeto de Angra 3 é da década de 1970. O contrato foi assinado em 1983 e somente 27 anos depois as obras foram efetivamente retomadas.

Para o MPF, a usina deve seguir obrigatoriamente a nova norma da AIEA em caso de acidentes severos, como é o caso de Fukushima, no Japão. Em recomendação expedida em agosto passado ao Cnen e à Eletrobras Eletronuclear (responsável pelas obras), os procuradores da República Fernando Lavieri e Daniela Masset, de Angra dos Reis, pedem o cumprimento da norma ou a suspensão da licença.

As duas usinas nucleares em funcionamento no Brasil, Angra 1 e Angra 2, também são dos anos 1970. A primeira começou a ser construída em 1972, e13 anos depois gerava energia. As obras de Angra 2 tiveram início em 1976. Depois de diversas interrupções, foram concluídas em 2001. As três usinas brasileiras, portanto, são anteriores à década de 1980, limite de tempo usado como referência na Alemanha para suspender o funcionamento de usinas nucleares. Quando foi reeleita, em setembro último, a chanceler (chefe de governo) Angela Merkel, democrata-cristã, decidiu prorrogar o funcionamento das centrais por 12 anos além do prazo definido no início da década por uma coalizão entre social-democratas e verdes, mas a tragédia no Japão obrigou o novo gabinete a suspender por três meses o plano de prorrogação.

Angra 2 e Angra 3 têm a mesma tecnologia das usinas que a Alemanha decidiu paralisar. Ambas são citadas no acordo nuclear firmado em 1975 com a Alemanha, para a construção de oito usinas em território brasileiro. Mesmo assim, os órgãos responsáveis pela geração de energia nuclear no Brasil descartam qualquer interrupção no funcionamento das centrais ou na construção da terceira. Ao contrário, a Cnen já informou que os planos de expansão do programa nuclear ¿não devem sofrer alterações¿. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, também descartou qualquer alteração em decorrência do desastre em Fukushima. ¿As usinas nucleares do Brasil possuem blindagens inexistentes nas usinas japonesas¿, afirma.

Desde 2008, o governo brasileiro tem um cronograma para a instalação das novas usinas. Serão entre quatro e oito novos reatores, nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul. Segundo a previsão, a primeira central começaria a funcionar em 2019, no Nordeste. A segunda teria início dois anos depois. Em 2023, será a vez da primeira usina da Região Sudeste, além de Angra 1, Angra 2 e Angra 3.

Para os projetos existentes até agora, que remontam aos anos 1980, foram adquiridos equipamentos de três décadas atrás. Como identificou o MPF de Angra dos Reis, as normas de segurança fixadas posteriormente pela AIEA não foram cumpridas em Angra 1, 2 e 3. Esses procedimentos internacionais foram definidos depois do acidente na usina de Three Mile Island, nos EUA, em 1979 ¿ cuja gravidade já foi superada pelo ocorrido agora no Japão. ¿O projeto de Angra 3 é anterior, não foi revisado de maneira adequada e não trata corretamente de acidentes severos¿, afirmam os procuradores. A usina Angra 3 é uma obra prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Quase R$ 1 bilhão já foram investidos na usina, cujas obras ultrapassam 8% de execução, conforme o último balanço do programa do governo federal.

O Correio tentou ouvir a Cnen e a Eletrobras Eletronuclear sobre a recomendação do MPF a respeito da norma da AIEA. As assessorias de imprensa dos dois órgãos não deram retorno até o fechamento desta edição.