Título: Dilema da energia nuclear
Autor: Passarinho, Jarbas
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2011, Opinião, p. 17

Ex-governador, ex-senador e ex-ministro de Estado, é coronel reformado

O drama que se abate sobre o Japão ¿ arrasado terrivelmente pelo maior terremoto desde o início dos registros sísmicos históricos, seguido do maremoto causador do tsunami, de ondas gigantescas, e finalmente da ameaça de vazamento nuclear ¿ já desperta possível abandono da energia nuclear nos países que têm considerável número de usinas nucleoelétricas. A Alemanha é a primeira a acautelar-se. E não só ela.

O presidente Geisel, em 1978, cogitou de aumentar a produção de energia elétrica prevenindo demanda contida em 10 anos próximos. Os Estados Unidos, a União Soviética e aliados detinham o monopólio da tecnologia atômica, mas se negavam a transferi-la. Geisel, então, negociou com a Alemanha, que estava experimentando tecnologia própria. Encaminhou ao Congresso o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, para construção de oito usinas nucleares, com transferência tecnológica a partir da quarta.

O presidente Carter, dos Estados Unidos, no dia seguinte ao de sua posse, enviou seu vice-presidente à Alemanha, em missão oficial junto ao primeiro-ministro Helmut Shmidt, a fim de pressioná-lo a desfazer o acordo. Não conseguiu. Para o Brasil encarregou, com o mesmo fim, o diplomata Warren Christopher, que narra o fracasso de sua missão no livro In the stream of the history.

Eu chefiava a Comissão de Minas e Energia no Senado. Como sabia que o senador Virgílio Távora assessorara o presidente Geisel no preparo do acordo, convidei-o para uma palestra na comissão, para os senadores, em cerimônia pública, presente a imprensa. Compareceram, também, convidados cientistas que se opunham ao acordo.

Talentoso, Virgílio defendeu o acordo. Disse que o Brasil, não podendo ter acesso aos dois processos em uso industrial do enriquecimento do urânio, o da ultracentrifugação e o da dissuasão, tentaria um terceiro caminho, o do jato contínuo (jet nozzle). Honesto, Virgílio acrescentou que o processo adotado estava, na Alemanha, em fase de experiência (o experimento cruzes), ainda não industrializado. O debate, porém, era inconsequente, já que o acordo fora aprovado pelo Congresso.

Pouco depois, o MDB, cumprindo exigência constitucional, requereu a instalação de uma CPI, com base em matéria da revista alemã Der Spiegel, reproduzida pela imprensa brasileira. Constava de acusações de enorme corrupção no desvio de recursos liberados na construção, em curso, da primeira das oito usinas acordadas. Habilmente incluía na atribuição da CPI a ¿investigação da concepção¿ do acordo.

A CPI, em outubro de 1978, elegeu seu presidente o senador Itamar Franco, que me indicou para ser o relator. Apresentei um roteiro a ser seguido em duas fases: a primeira investigaria a acusação de corrupção e a segunda discutiria a concepção do acordo. Passei pouco tempo na relatoria, pois iria assumir a liderança do governo. O presidente designou outro relator, o senador Milton Cabral.

A acusação de corrupção foi comprovadamente falsa. Na discussão quanto à concepção do acordo, travaram-se debates fascinantes, que me vêm à lembrança. Dentre os temas discutidos, o da segurança das usinas nucleares preponderou. O exemplo a favor baseava-se na quantidade considerável de usinas, seguras, nos Estados Unidos e na Europa. Um físico nuclear, formado no famoso IMT, dos Estados Unidos, assegurava que os reatores eram protegidos por estruturas indestrutíveis que lhes davam absoluta segurança contra risco de vazamento radioativo. Nada gentil, respondia aos contrários que, faltando-lhes argumentos, apelavam para a ¿estratégia do medo¿.

Pouco tempo depois, em 6 de maio de 1979, ocorreu o acidente em Three Mile Island, em Pensilvânia, Estados Unidos, devido ao mau estado do equipamento e a erros humanos, operacionais. Houve fusão parcial da central nuclear, vazamento de radioatividade letal no raio de 16km e evacuação preventiva de 140 mil pessoas. As nuvens radioativas chegaram até a longínqua Irlanda.

Na União Soviética, em 26 de abril de 1986, na Ucrânia, a usina nuclear de Chernobyl sofreu acidente mais grave que o americano. Muito bem informado, o escritor russo Rafael Poch-de-Feliu, no livro A grande transição, descreve com crueza, em linguagem leiga, o que foi o drama, ignorado dada a censura da imprensa. A usina estava, dois dias antes, em teste de segurança. Um reator deveria ser desligado para reparações menores. ¿O que ocorreu¿ ¿ diz ele ¿ ¿foi uma sucessão de erros humanos e materiais, a começar pela ausência do chamado sarcófago, que protege o reator. Sem ele, deu-se forte vazamento radiativo, ao converter um acidente grave em uma catástrofe¿.

Além das 30 mortes diretas, 5 milhões foram afetados pela radiação, responsável pela morte por leucemia, câncer de tireoide e ¿doenças do sangue¿, 10 anos depois. O que aconteceu com o Japão não foi causado por erros humanos, mas é cedo para saber quantas vítimas se somarão aos milhares de mortos pelo terremoto e o tsumami, ceifados pela radiação, se confirmado grave o que se deu com Chernobyl. Luto para não ser estrategista do medo.