Título: BNDES e empresa estrangeira
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Fonte: Gazeta Mercantil, 18/08/2004, Opinião, p. A-3

A autoridade instituída pelo voto deve ser respeitada. Os atuais indicadores demonstram que o governo Lula tem o mérito de estar conduzindo o País à retomada do crescimento, conciliando essa tendência com o controle da inflação, responsabilidade fiscal, cumprimento dos acordos com o FMI e pontualidade no serviço da dívida. É verdade que o aquecimento poderia ser mais rápido e expressivo se fossem revistos alguns pontos, principalmente a taxa de juros, o arremedo da reforma tributária de 2003 e o aumento global da carga de impostos, pouco atenuado pelas medidas de desoneração anunciadas pelo presidente. É questionável manter juros altos num mercado ainda distante da inflação de demanda e cobrar impostos corrosivos da competitividade do parque empresarial. No entanto, essas questões, sempre objeto de discussões entre as distintas correntes do pensamento econômico, não são as que mais atrapalham. Mais grave é o visível desentrosamento entre membros e setores da administração, cujas trombadas e contradições semeiam insegurança no mercado e na sociedade. Não há exagero em afirmar que, não fossem as picuinhas e querelas, o governo estaria mais avançado na meta da prosperidade. Exemplo dessas contradições encontra-se nas numerosas queixas de empresas brasileiras com capital estrangeiro majoritário de discriminação no BNDES quando da solicitação de crédito. Apesar dos protestos do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e da ordem expressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a instituição parece continuar tratando com diferenças as empresas de capital nacional e estrangeiro, tanto nas dificuldades/facilidades burocráticas quanto nas taxas de juros. Estranhamente, o problema pareceu agravar-se desde o momento em que presidente e ministro passaram, em janeiro de 2004, em Genebra, a difundir no exterior as possibilidades e as vantagens de investir no Brasil. Em 1995, o Congresso Nacional extinguiu o tratamento desigual contra o capital estrangeiro. A partir de então - também motivado pela conjuntura internacional e pelo avanço da globalização -, o capital externo aportou de forma crescente no País. Agora, quando se prevê queda dos investimentos internacionais nas nações emergentes, é insensata - como se a ilegalidade do gesto já não fosse suficiente - qualquer discriminação contra empresas que aqui criam empregos e renda, pagam impostos, exportam e contribuem para a retomada do crescimento. Essas contradições, freqüentes desde o início da atual administração, começam a ser mais percebidas no exterior, como atesta recente editorial do Wall Street Journal: "Quando o governo Lula empenha-se em implementar políticas fiscais e econômicas mais atraentes, o presidente do BNDES, Carlos Lessa, adota ruidosamente agenda menos amigável ao capital estrangeiro". Não precisamos ouvir esse tipo de graça da imprensa internacional. A autoridade, quando instituída pelo voto, deve ser respeitada, e roupa suja, não se esqueçam, lava-se em casa...