Título: Todos desconfiam do BC
Autor: Nunes, Vicente; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2011, Economia, p. 17

Analistas, investidores estrangeiros e consumidores vão na direção contrária das medidas para conter crédito, real e inflação

O Banco Central enfrenta hoje uma onda de desconfiança pouco vista desde que o regime de metas de inflação foi adotado, em 1999. Não sem motivos. Apesar de todas as medidas macroprudenciais tomadas para conter o crédito e o consumo, a demanda continua firme e o volume de empréstimos e financiamentos dá saltos de 21% quando, nas contas do presidente da instituição, Alexandre Tombini, o ideal seria um avanço de 13%.

Na área cambial, mesmo com todas as intervenções diárias para conter o derretimento do dólar e a cobrança de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na entrada de recursos no país, a moeda americana está sendo negociada no menor nível desde agosto de 2008. Para completar, entre abril de 2010 e março deste ano, a taxa básica de juros (Selic) aumentou três pontos percentuais, passando de 8,75% para 11,75% ao ano. Ainda assim, a inflação está em disparada. Nas projeções dos especialistas, o Índice de Preços ao Consumido Amplo (IPCA) fechará este ano acima de 6%.

No mercado financeiro, a sensação é de que o BC está avaliando um país distante da realidade. Pior: vem assumindo riscos desnecessários e arranhando uma credibilidade construída com um esforço hercúlio. É consenso entre os economistas que o país enfrentou um choque gigantesco nos preços das commodities agrícolas. Nos últimos nove meses, os principais grãos que abastecem a mesa dos brasileiros subiram mais de 70%, sendo que um terço desse reajuste ainda não bateu na inflação.

Sem trauma O que assusta é a disseminação dos aumentos em toda a economia, especialmente no setor de serviços, que não enfrenta a concorrência externa. Cabeleireiros, chaveiros, mecânicos, empregados domésticos estão custando, em média, quase 10% mais do que um ano atrás. Olhando para a frente, está certo uma correção de 14% para o salário mínimo, justamente o parâmetro usado para a correção dessa mão de obra. Com a atividade aquecida, será difícil não repassar esse custo para os preços. Por isso, a economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, já vê dificuldades para o BC manter a inflação no centro da meta, de 4,5%, no ano que vem e em 2013, a despeito de todo o aperto monetário.

No BC, a ordem é manter o sangue frio, pois há a certeza de que o cenário traçado, de inflação no centro da meta no ano que vem, se concretizará sem traumas, sem a necessidade de um choque de juros que empurre o país para a recessão. Quem acompanha o dia a dia da instituição garante que se tornou questão de honra para Tombini e seus diretores provarem que não há descontrole da inflação e que o mercado não está sabendo dimensionar o impacto das medidas macroprudenciais de restrição ao crédito.

Carta branca ¿O BC está ativo e fará o que for necessário para que o IPCA fique nos 4,5% em 2012¿, diz um integrante da equipe econômica do governo. ¿Trabalhamos, inclusive, com o aumento da Selic se estendendo até agosto. Há gente no mercado acreditando, por exemplo, que em abril já não haverá mais alta dos juros¿, emenda. É o caso de Maurício Molan, economista-chefe do Banco Santander. Para ele, como em todos os cenários traçados pelo BC a inflação convergirá para o centro meta, chegando a 4,6% no fim de 2012, a tendência é de haver uma interrupção no aperto monetário já.

Molan reforça essa visão diante da possível desistência da instituição de conter o derretimento do dólar, um contraponto à alta das commodities ¿ o que o governo nega com veemência e promete agir já na próxima semana, com mais medidas para frear a entrada de recursos estrangeiros no Brasil.

¿Acredito ser um erro apostar no fim do ciclo do aperto monetário agora. Ainda há muito por fazer para que o BC ponha a inflação na meta. A de abril será quase o dobro do ideal (0,37%), ajudando a piorar as expectativas do mercado¿, ressalta um dos mais próximos assessores da presidente Dilma Rousseff. ¿O BC, por sinal, tem todo o aval do Planalto para manter o poder de compra da população, especialmente a mais pobre. Essa carta branca foi reforçada depois da divulgação da pesquisa CNI/Ibope, que mostrou a presidente com um índice de aprovação muito alto (73%). Dilma não vai querer pôr em risco esse ativo ao sancionar mais inflação¿, acrescenta.

No mundo todo Na avaliação do Banco Central, a inflação não está restrita ao Brasil. É um movimento global. Na última quinta-feira, a França anunciou alta dos preços de 0,8% em março, taxa que, quando anualizada, chega a 6,3%. Por sinal, o Banco Central Europeu (BCE) avisou que pode elevar os juros ¿ que estão em 1% ao ano ¿ neste mês, apesar de vários países da região ainda estarem atolados na recessão. O BC brasileiro acredita que nenhuma outra instituição tomou medidas tão duras nos últimos meses, como ele, para combater o processo inflacionário.