Título: Riscos na valorização do câmbio
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Opinião, p. A3

Três linhas de ação têm caracterizado o combate das autoridades econômicas ao que o Banco Central (BC) identifica como excesso de crescimento da demanda. A primeira é a elevação da taxa básica de juros, que tem a capacidade de inibir o repasse do aumento dos preços administrados para os preços livres, encarecendo o financiamento do capital de giro das empresas que operam no setor de preços livres, comprimindo as suas margens de lucro, reduzindo a sua capacidade de investimento e promovendo a sua descapitalização. A segunda é a elevação do superávit primário, que visa a atingir dois objetivos: 1) compensar o incremento no serviço da dívida pública provocado pela elevação da taxa básica de juros e; 2) reduzir a demanda gerada pelo setor público, com efeito contracionista sobre a demanda privada semelhante ao produzido pela elevação da taxa básica de juros. A terceira é a valorização da taxa de câmbio, que. ao pressionar para cima a estrutura de custos das empresas reduzindo-lhes a capacidade de competir e de exportar, produz efeito semelhante ao visado pelo aumento da taxa básica de juros. É dizer que, em defesa da estabilidade macroeconômica, sacrifica-se a possibilidade de crescer.

O País, que se encontra diante da oportunidade de iniciar um ciclo virtuoso de crescimento, por indução da expansão das exportações, corre o risco de vê-la abortada em conseqüência da valorização do real em relação ao dólar - esse é o grande risco no qual estaria incorrendo a política econômica neste momento, sem desconsideração para com os demais, mencionados acima.

Aos fatos: desde o início de maio, quando o dólar estava cotado a R$ 3,20, o real apreciou-se cerca de 12% em termos nominais frente ao dólar e em quase 10% frente a uma cesta de moedas representativas das relações comerciais brasileiras. Ao processo de valorização do real veio juntar-se recentemente a expectativa de desaceleração do crescimento da economia mundial, em razão da elevação do preço do petróleo, a queda no preço das commodities, que no caso do níquel chega a 20% nas últimas três semanas, e agora a elevação da taxa básica de juros da China. Todos esses processos combinados contribuem para debilitar a competitividade do produto brasileiro no exterior.

A taxa de câmbio não afeta somente os exportadores. Na condição de um dos principais preços da economia, afeta também as decisões de investimentos produtivos, a agregação de valor, a substituição de importações etc. Embora um câmbio baixo possa ser favorável no curto prazo ao controle da inflação, seu efeito disruptivo não deixa de se manifestar, no médio e no longo prazos, na forma de desincentivo ao investimento, semelhante ao provocado pela elevação da taxa básica de juros.

Para um país classificado como "de grau de risco especulativo", cuja moeda não é conversível, país que depende das exportações para crescer e de saldos na balança comercial para honrar o serviço da dívida, como é o caso do Brasil, fiar-se na estabilidade da conjuntura internacional é temeridade - e a prudência com que administra a sua exposição ao risco de choques externos expressa-se no manejo de sua taxa de câmbio.

Uma tal diretriz orienta na prática a política cambial de todos os países que dependem fortemente das exportações para crescer - ou para honrar o serviço da dívida, crescendo; ou, ainda, para se defender de ataques especulativos, acumulando reservas. O banco central do Japão, por exemplo, opera pesadamente adquirindo títulos do Tesouro americano para valorizar o dólar perante o iene. Da mesma forma procedem os tigres asiáticos, China à frente, adquirindo dólares para sustentar taxas de câmbio suficientemente depreciadas para estimular o esforço exportador.

A economia brasileira experimentou os efeitos traumáticos da valorização artificial da taxa de câmbio no período 1994/1998, tais como a deterioração da balança de transações correntes, a intensificação da vulnerabilidade externa, a ampliação do passivo externo em mais de US$ 200 bilhões e a dolarização de títulos que inflaram a dívida pública. Ainda hoje pagamos o custo do equívoco. Teríamos aprendido a lição? A resposta à indagação é da ordem da experiência, não da abstração ideológica.

Assim como no passado recente, há quem - entre os operadores da política econômica - continue afirmando que para fazer frente ao desequilíbrio externo basta promover o ajuste fiscal, com base no pressuposto mecânico de que o bom comportamento no plano fiscal é premiado com a abundância de recursos externos para financiar o desenvolvimento. A esses recomenda-se ouvir o Diabo, que é sábio não por ser Diabo mas por ser velho.

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kicker: A valorização do real ameaça o esforço exportador e eleva o coeficiente de risco de exposição aos choques externos