Título: O Brasil no alvo das aquisições
Autor: Mônica Magnavita
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Indústria & Serviços, p. A13

Presidente da Arcelor, Guy Dollé, diz que consolidação mundial envolve muitos negócios no País. O setor siderúrgico no Brasil promete ser protagonista de vários negócios nos próximos dois anos. A consolidação do setor no mercado global, cujo último passo foi a aquisição da norte-americana ISG pela indiana Ispat, terá reflexos sobre as empresas no Brasil, levando a um processo de aquisições das usinas locais, a despeito do empenho do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em defender a união de forças em torno de um grande projeto nacional do aço. O presidente internacional da européia Arcelor, Guy Dollé, acredita que, no Brasil, apenas a Gerdau surge como um grupo chamado de "consolidador", ou seja, aquele com cacife e músculos suficientes para crescer adquirindo outras empresas. As demais poderão ser alvo de compra por parte de grandes grupos estrangeiros, conforme análise feita pelo especialista Peter Marcus, da World Steel Dynamics, uma das mais conceituadas consultorias do mercado siderúrgico, em um trabalho divulgado na semana passada.

"Quem produz acima de 30 milhões de toneladas deve permanecer nesse processo", disse Dollé, que esteve no País há sete dias cumprindo uma agenda que incluiu uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília. O executivo, que está à frente do processo de formação da Arcelor Brasil, holding que reunirá os ativos do grupo - Belgo Mineira, Acesita e Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) - disse a Lula que a empresa investirá US$ 4 bilhões no País, nos próximos quatro anos, na expansão de suas empresas e na formação da holding, o que requer a compra de participação dos sócios.

Além disso, estuda a participação na construção de uma usina de placas no Maranhão em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e com a chinesa BaoSteel, para a produção de 3,4 milhões de toneladas, em uma primeira etapa. A decisão de investir em São Luís (MA) não está tomada e dependerá, em boa parte, do desfecho dos estudos de outro projeto da Vale na região, no caso, com a coreana Posco, também para produção de placas.

"Não há espaço para tantas novas usinas no País", disse o executivo do segundo maior produtor de aço do mercado internacional, referindo-se, também, ao projeto de construção de outra usina em Sepetiba, da ThyssseKrupp. "É preciso tomar cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro", enfatizou. O mercado mundial de placas é de 30 milhões de toneladas, considerado, portanto, pequeno em relação às dimensões superlativas do setor siderúrgico. Ou para usar uma comparação feita por ele, equivale a quatro CSTs. Ou seja, até poderia haver, no Brasil, espaço para duas novas usinas, mas não simultaneamente.

Um excesso de oferta teria efeitos negativos sobre os preços e traria para as usinas brasileiras o risco de repetição de um problema que afeta, atualmente, as empresas na Europa, que viveu um processo de excesso de capacidade instalada, o que acabou desvalorizando os ativos. "Uma siderúrgica asiática vale duas vezes mais que uma européia e uma americana vale 50% a mais", disse Dollé, acrescentando que as causas dessa subavaliação vêm dos investimentos realizados em aumento de produção além do limite de capacidade de demanda.

O crescimento do consumo do aço acontecerá nos mercados em desenvolvimento. Cerca de 80% do aumento do consumo nos próximos 10 anos virá dos países em desenvolvimento - China, Índia e Brasil - como resultado do processo de expansão econômica dessas regiões. "É uma mudança muito profunda em relação ao eixo de gravidade da indústria siderúrgica", afirmou, já que os grandes consumidores do passado (Estados Unidos, Europa e Japão) respondem hoje por 35% do consumo mundial de aço.

Segundo Dollé, há espaço para aumentar a produção de aço no Brasil, inicialmente para atender ao crescimento da demanda no mercado interno, estimulado pelos projetos de infra-estrutura do governo. Já a expansão do segmento de placas, voltado para a exportação, deve ser feita ao longo do tempo. "Os projetos da Posco e o da BaoSteel não são compatíveis. Seria demasiada a oferta ao mesmo tempo. Definitivamente, não é razoável", disse.

A decisão da Arcelor de participar do projeto siderúrgico em São Luís, em parceria com a CVRD e a BaoSteel, está vinculada, entre outras coisas, a uma decisão nesse sentido. Além disso, há outras questões a serem avaliadas. Segundo Dollé, o estudo de viabilidade técnica, que deveria ter sido concluído em outubro, foi adiado, mas já aponta para um valor de investimentos superior aos US$ 1,5 bilhão previstos inicialmente. Pelos últimos cálculos, a usina ficaria próxima a US$ 3 bilhões. A Arcelor, que participaria por meio da CST, financiou o estudo de viabilidade técnica, orçado em US$ 12 milhões, e terá 12 meses para decidir sua participação a partir da conclusão da análise.

"Os chineses achavam que podiam fazer com US$ 1,5 bilhão, mas é mais caro produzir no Brasil. Os fornecedores de equipamentos têm mais encomenda e estão fazendo negociações. Nossa decisão dependerá do custo e da rentabilidade", disse. Mas não é só isso. A Arcelor também precisa definir com a BaoSteel as participações de cada um dos grupos e a gestão que terão na nova usina. Os chineses, que criaram com a Vale uma joint-venture para o projeto, chegaram a propor à siderúrgica européia a entrada na holding a ser criada reunindo os ativos da Arcelor no Brasil. Mas a proposta foi recusada por Dollé, que deixou claro as condições para participar do pólo maranhense.

"Se a CST não tiver responsabilidades industriais, não participaremos. Você pergunta qual é a condição fundamental para se participar do projeto? Eu pergunto, quem é o brasileiro? A CST ou a Baosteel? A CST administra uma usina no Brasil. Seria razoável privar-se desse conhecimento? Mas não quero me estender nos comentários para não dar a entender que negocio pelos jornais", disse. Em última análise, ele admitiu que poderá fazer o projeto sozinho, por exemplo, em Vitória, onde está instalada a CST e há infra-estrutura adequada.

A vertente nacionalista da diretoria do BNDES, que se opõe ao controle estrangeiro da siderurgia no Brasil, não será fator restritivo nas negociações em curso, segundo Dollé. Isso, a seu ver, por um motivo simples. "Somos brasileiros", disse em francês, seu idioma de origem. "Somos brasileiros com a Belgo há mais de 80 anos. Demos testemunho com o nosso compromisso com o desenvolvimento brasileiro, com os investimentos que fizemos nos últimos anos. Fizemos quando o Brasil sofria e continuamos fazendo. Nós somos brasileiros", reiterou.

A Arcelor, aliás, propôs ao BNDES que o Banco migre as ações que detém na Acesita para a nova holding a ser criada. Dollé espera concluir até o primeiro semestre do próximo ano a formação da Arcelor Brasil. Para isso, no entanto, será preciso equacionar a participação do grupo na Acesita, o que inclui uma negociação com os fundos de pensão, donos de 39,2% do capital votante da empresa. Segundo ele, foi apresentado às fundações um calendário de negociações que prevê duas possibilidades, ou mesmo a combinação de ambas: a venda do capital pertencente a eles para a Arcelor ou a transferência desse ativo em ações da holding a ser criada. "Discutimos essas hipóteses e os fundos manifestaram interesses pelas duas", disse.

As negociações, no entanto, não serão tão rápidas quanto ele gostaria. Até porque os fundos, como a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e a Petros, da Petrobras, ainda aguardam uma apresentação definitiva do desenho da nova holding. A Arcelor, no entanto, ainda está avaliando o preço das ações e o planejamento tributário do negócio. "É preciso calcular a valorização relativa da Acesita em relação à CST e em relação à Belgo para poder ter o valor da holding. Esse processo deve demorar até o primeiro semestre de 2005, mas pode ser feito mais rápido." A Arcelor teria 55% a 60% da nova controladora. O restante seria cotado em bolsa de valores. Uma parcela das ações, no entanto, entre 5% e 10% - poderia ficar nas mãos do BNDES.