Título: A longa e cautelosa jornada até os agressivos
Autor: Denise Juliani
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/08/2004, Relátorio Gazeta Mercantil, p. 1

Fundos multimercado e de renda variável devem atrair investidores, mas com recuos proporcionais à volatilidade. O segundo semestre começou marcado pela reversão da expectativa otimista quanto à queda das taxas de juros, uma das principais apostas do setor de fundos de investimento para este ano. Nem por isso os responsáveis pela gestão de recursos deste segmento da economia, que gira volumes ao redor de R$ 550 bilhões, estão pessimistas. A entidade de classe do setor, a Anbid, projeta crescimento de 20% no patrimônio dos fundos em 2004.

A tendência de migração dos investidores para ativos mais agressivos, diretamente atrelada à redução das taxas de juros, deverá acontecer de maneira mais lenta do que projetavam os administradores de recursos no final do ano passado, mas é tida como irreversível. "A diversificação, a procura por fundos multimercado, onde o investidor possa acreditar na gestão escolhida para direcionar os recursos e obter o melhor resultado, em épocas boas ou ruins, veio para ficar", afirma Roseli Machado, diretora da Fator Administração de Recursos.

Francisco Costa, diretor da GAP Asset Management, acredita que as classes de ativos mais favorecidas por esse movimento serão os fundos multimercados e as carteiras de renda variável. "Talvez até pela natureza do produto, o multimercado, que é um FIF (Fundo de Investimento Financeiro) em última instância, dá ao investidor a impressão de que está comprando um renda fixa apimentado, com um risco reduzido", afirma.

Mas a volatilidade registrada no primeiro trimestre causou uma forte saída de recursos dos fundos multimercados. No balanço dos sete primeiros meses do ano, os multimercados perderam R$ 1,5 bilhão. "Acho que esse primeiro susto vai fazer o investidor reavaliar suas aplicações, mas não vai afastá-lo definitivamente e acredito que, até por uma questão cultural, o fundo multimercado, a médio prazo, vai ter uma capacidade de atração do investidor maior do que o fundo de renda variável, que terá um desafio maior e de mais longo prazo para abraçar uma parcela maior da indústria de fundos brasileira", avalia.

Carlos Eduardo Guerra, diretor da Santos Asset Management , lembra que, ao lado dos multimercados, os conservadores fundos referenciados DI também perderam um volume expressivo. Segundo dados da Anbid, as saídas registradas pelos fundos DI totalizam, no ano, até julho, R$ 1,7 bilhão.Para Guerra, é importante que os próprios gestores aprendam com o que aconteceu no mercado no primeiro semestre e passem ver que realmente existem os investidores que são mais adequados aos fundos multimercados e outros que não aceitam a volatilidade. "Não é nem questão do perfil do gestor. Às vezes o investidor conhece o gestor, sabe que é um gestor vitorioso, tem um histórico ganhador, mas quando ele entra num produto e sente a volatilidade não fica confortável", diz.

Os três participaram de uma das mesas-redondas realizadas no final de julho passado pela Gazeta Mercantil, cujo objetivo era traçar as perspectivas para a indústria de fundos no segundo semestre (veja a partir da página 4 deste Relatório). Uma das conclusões do encontro foi a de que, apesar dos indicadores favoráveis que mostram uma bem recebida retomada do crescimento, ainda é cedo para se afirmar que este desempenho está consolidado.

Para Roseli, da Fator, há um dinamismo muito grande no setor exportador e em outros ramos industriais, com algumas empresas no seu limite de capacidade, já demonstrando uma certa pressão sobre os preços, o que remete à questão da inflação e da infra-estrutura. "A nossa percepção é a de que não existe ainda um apetite para investimento privado na área, o que é fundamental para se criar um crescimento duradouro. Ou seja, você pode bater lá na frente em dificuldade de exportação, dificuldade de portos, transportes, chegando depois na questão da inflação", afirma. A diretora observa que alguns setores já atingiram seu limite de capacidade produtiva e não se verifica o surgimento de investimento adicional. "Desta forma, a grande dúvida que o mercado coloca é se isso não vai resultar em inflação".Guerra, do Banco Santos, concorda. "De fato, hoje estamos com um problema de capacidade em praticamente todas as indústrias. Acho que um crescimento acima de 4% do PIB pode realmente provocar um índice de inflação. De todo modo, acredito que estamos no rumo correto", avalia. Ele afirma, contudo, que algumas reformas precisam ser feitas, mas não vê o quadro atual como uma bolha de crescimento. "Acredito que é uma tendência, só que nós temos alguns limitadores e um deles é o nível de inflação". Segundo o diretor, com os problemas de infra-estrutura existentes no País, um crescimento mais acelerado exigirá a aceitação de uma inflação um pouco maior.

O superintendente executivo do ABN Amro Asset Management, Paulo César Werneck, lembra que os dados macroeconômicos são bons, mas alguns pontos como a Lei de falências, a definição das Parcerias Público-Privadas (PPP) e a falta de investimentos precisam ser trabalhados para que esse crescimento possa se sustentar a longo prazo.

"Aí entra outra questão, que é a de como a indústria de fundos pode ajudar no financiamento, porque hoje o grande problema em termos de crédito no País não é a taxa Selic, é o spread bancário", diz Guerra. Ele acredita que uma das saídas para esse impasse é o desenvolvimento de fundos voltados ao crédito, como as carteiras de recebíveis que já começaram a surgir no mercado. "É uma iniciativa que pode realmente viabilizar mais recursos para a produção e com isso favorecer a diminuição no spread bancário, um ponto importante para o País crescer com sustentabilidade", afirma.

"É lógico que uma taxa básica mais baixa seria desejável, mas o problema é exatamente o spread bancário e isso está intimamente ligado inclusive com questão regulatória, por isso seria fundamental definir punições para o devedor", complementa Costa, da GAP.

Para ele, os novos produtos de crédito que estão surgindo podem ser um fator importante na redução do custo do dinheiro para as empresas, pois vão estar ligados exatamente ao alongamento de prazo.