Título: A Coréia e o desenvolvimento
Autor: Hee Moon Jo
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/11/2004, Opinião, p. A3

Desde que Lula deu início à sua administração, a sociedade vem discutindo sobre a melhor política governamental para o desenvolvimento do País. Para facilitar a discussão, enquadrou-se a política do PSDB como sendo tipicamente neoliberal, modelo que dominou os últimos dez anos. No entanto, transcorrido metade do mandato do atual governo, ainda não existe um modelo de desenvolvimento definido.

De fato, há apenas um entendimento comum de que esse novo modelo deverá estar fundamentado em maior intervenção estatal na economia, não sendo poucos os que citam a era Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek, o que nos leva a crer que tais propostas se materializariam em algo bem próximo das experiências bem-sucedidas levadas a cabo pelos países asiáticos.

Minha experiência nessas últimas três décadas na Coréia e no Brasil não deixa dúvidas sobre a clara diferença que existe com relação ao desenvolvimento desses países. A Coréia preparou um plano com metas extremamente claras, integrado à vida de seu povo.

Por outro lado, o Brasil nunca teve a oportunidade de presenciar sua edificação e posterior aplicação.

Se tal plano existia nas décadas de 80 e 90 ou ainda existe, apenas atendeu aos interesses do governo e não aos da sociedade.

Um bom plano de desenvolvimento deve ser compreendido pela sociedade e contar com a anuência do povo. Nesse sentido, o modelo coreano seguiu perfeitamente essa regra. Assim, o governo estabelecia planos e preestabelecia metas variando de um a cinco anos. Após isso, apresentava-o à sociedade, buscando demonstrar os proveitos que obteria. Parecia até propaganda; porém, a diferença era que o povo tinha reais esperanças no sentido da melhoria da qualidade de vida, e as metas propostas sempre foram superadas. O governo não se limitava a propor uma meta aos empresários; ele fornecia todas as condições para atingi-las. Ou seja, algo similar a um pacto social.

A Coréia também reconhece as dificuldades do país. O presidente Park, que tomou o poder na revolução militar de 1961, fez a chamada revolução socioeconômica, com investimentos na educação e incentivos às indústrias exportadoras, dirigidas pelo governo. Conseguiu também alterar a estrutura das elites social e política dominantes por meio da introdução de jovens intelectuais, militares e proprietários rurais. A reforma agrária foi fundamental para a mudança das estruturas sociais e para o rompimento com um passado estratificado.

Como a Coréia não tinha disponibilidade de recursos naturais, capital, tecnologia e mão-de-obra qualificada, o modelo coreano estabeleceu metas de curto e longo prazos para garantir o desenvolvimento sustentável.

Por um lado, convidava os cientistas coreanos residentes no exterior a voltarem, importava tecnologia estrangeira e contraía empréstimos para ampliar seu parque industrial e produzir produtos exportáveis. Por outro, investia na educação para elevar a qualidade da mão-de-obra; na pesquisa e desenvolvimento; e na exportação, para pagar os empréstimos externos.

A dependência dos produtos primários não garante o desenvolvimento de um país. Na verdade, a exportação de produtos agroindustriais é um fator inflacionário, além de não sustentar a geração de uma mão-de-obra qualificada. A história mostra que nenhum país se tornou desenvolvido por meio da mera exportação de seus recursos naturais. Apesar do bom desempenho das exportações brasileiras e da importação das maquinarias e insumos, a pauta não tem se alterado significativamente. Isso indica que as importações estão sendo aplicadas para a substituição dos produtos importados, o que representa um alerta vermelho.

O que o Brasil precisa é de uma forte indústria de manufaturas, para o sustento de cerca de 80% de sua população no futuro. Infelizmente, a agroindústria não resolve esse problema, nem em renda e em produtividade.

É fundamental possuir grandes empresas que possam obter novas tecnologias e produzir novos e competitivos produtos para exportação. Por outro lado, é necessária a criação de mais pequenas e médias empresas para gerar mão-de-obra qualificada.

A agroindústria, por si só, não vai aumentar a qualidade da mão-de-obra e tampouco elevará a renda dos trabalhadores. O Brasil não tem condições de competir com a China ou com a Índia em termos de mão-de-obra nas indústrias. O mais interessante seria a adaptação do modelo coreano.

Há quem diga que o modelo coreano funciona apenas em países pequenos. No entanto, esse é o único país "pequeno" que produz desde memórias para computadores até automóveis, navios e aviões.

Assim sendo, para o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, a experiência e a tecnologia da Coréia seriam muito úteis, o que justifica em largas bases a cooperação estratégica entre os dois países.

kicker: Nenhum paísse tornou desenvolvido com a mera exportação dos recursos naturais