Título: Entrevista - Bangumzi Sifingo
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 11/04/2011, Economia, p. 10

A maior novidade da terceira reunião de cúpula dos Brics ¿ a formalização do ingresso da África do Sul ao grupo ¿ é também mais uma mostra da ascensão de quase todos os países emergentes. Para o embaixador da África do Sul no Brasil, Bangumzi Sifingo, as soluções para os desafios globais requerem cada vez mais participação das economias em desenvolvimento, que lideram as atuais taxas de crescimento. Nesse sentido, o diplomata considera o continente africano como uma real aposta de futuro, por considerá-la a região de enormes potenciais inexplorados.

¿Sem fazer qualquer reivindicação, somos a voz da África no Bric e em outros fóruns¿, disse nesta entrevista ao Correio. Sifingo avalia que a presença dos membros do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) nos Brics, que ainda inclui Rússia e China, não esvaziará o grupo. A principal razão disso está no fato de o Ibas, órgão de cooperação multilateral do chamado diálogo Sul-Sul, estar melhor estruturado e desenvolver ações específicas, como combate à pobreza e a valorização das mulheres.

O embaixador, que ainda não fala português, faz questão de ressaltar o peso sulafricano dentro do grupo de 14 países que formam a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês). Esse grupo soma uma população de 210 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas) de US$ 700 bilhões. ¿Estamos engajados na integração regional econômica africana e com a estabilidade política no continente¿, sublinha.(SR)

"Poder global requer reforma"

Como o senhor avalia a adesão da África do Sul ao grupo dos Brics? Estamos vivendo um fenômeno na construção de coalizões diplomáticas. Os clubes de países que estão surgindo não têm mais um perfil rígido como no passado, antes da crise financeira global de 2008 e 2009. Os novos fóruns são flexíveis e focam questões de interesse comum, sem levar em conta o tamanho da população, do território ou mesmo da economia de seus membros. G-20 (reunião das 20 maiores economias do planeta) e Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), por exemplo, refletem esse contexto atual no mundo. É nesse espírito que a África do Sul foi aceita como sócia dos Brics e participará, pela primeira vez, de uma reunião do grupo, este mês, na China. O convite para nos unir aos membros originais do Bric foi um reconhecimento da importante contribuição que podemos dar ao grupo. Os Brics fica completo, com integrantes de todos os continentes do mundo.

Com o ingresso de seu país, o grupo dos Brics passa a ter todos os membros do Ibas. Isso não vai sobrepor ou esvaziar as ações desse grupo? Não. Apesar de três dos cinco dos Brics ampliado também pertencerem ao Ibas, cada arranjo de países tem um mandato levemente diferente. Não se trata de uma incorporação de um grupo pelo outro, nem da formação de uma maioria (Ibas) contraposta aos demais membros (Rússia e China). Mesmo sendo os emergentes os mais engajados na reorganização da governança global, esse processo transcorre mediante o embate de interesses diversos e específicos de cada nação, região e fórum. Melhor estruturado, o Ibas está voltado, sobretudo, no que diz respeito à cooperação para superar desafios comuns no Hemisfério Sul. Provamos na prática como se faz uma diplomacia solidária, com país em desenvolvimento ajudando país em desenvolvimento. Além do desenvolvimento das áreas institucionais entre os membros, socorremos terceiros países, menos privilegiados no sul global, como Haiti, Cabo Verde e Palestina. Posso afirmar sem receios que os países em desenvolvimento são o fator mais importante das tendências mundiais.

O que motivou o convite da China para a África do Sul entrar no pequeno clube dos Brics? A ampliação do diálogo global e as possíveis parcerias regionais. Desempenhamos papel além de nossas fronteiras. A África do Sul cumpre fielmente compromissos em favor do desenvolvimento, da estabilidade política e da redução das desigualdades no continente africano. Nossa sociedade também está atenta a discussões importantes, como a superação da crise econômica mundial e o combate às causas e aos efeitos das mudanças climáticas. Nossa importância é natural, não é resultado de imposições. No turismo, por exemplo, acreditamos que podemos atuar como verdadeira ponte entre os hemisférios Sul e Norte. Somos um país com desenvolvimento e oportunidade para oferecer à região e outros países.

Na sua avaliação, os Brics terão voz efetiva nas grandes discussões globais da atualidade? Os Bric se sobressaem pelos negócios que potencializam. Gostem ou não, avaliar só requisitos como o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas) é ignorar a realidade. O momento atual não permite insistir em modelos antigos. Como membro de fóruns de emergentes, a África do Sul se torna um parceiro de futuro. Discutimos no G-20 e Ibas desafios globais, como a revisão do poder concentrado no Conselho de Segurança da ONU, onde dois membros dos Brics (Rússia e Índia) têm assento permanente. A abertura de espaços se tornou inevitável para construir a paz e a estabilidade econômica duradouras no mundo. O esforço para solucionar questões que envolvem todos não pode excluir a África. Como maior e mais industrializada economia do continente, representamos uma região com maior perspectiva de crescimento, um potencial ainda inexplorado. Sem reivindicar isso, somos a voz do continente e queremos participar de mais clubes.

Como andam as relações Brasil-África do Sul dentro e fora dos fóruns nos quais são parceiros? Entre os membros do redesenhado grupo dos Brics, Brasil e África do Sul são os que têm mais semelhanças culturais entre si. Somos duas grandes democracias multirraciais e nossas afinidades estão rendendo diálogo e parcerias, buscando incentivar a troca de experiências em áreas comuns. O sucesso brasileiro na tecnologia de produção da agricultura tropical, por exemplo, já motivou a elaboração de acordos estratégicos que estão agora sobre a mesa. A segurança alimentar é uma das preocupações de toda a África. Também estamos tendo reuniões para conhecer melhor os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, que podem inspirar ações de combate à miséria em nosso país.