Título: Gbagbo e França em confronto
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 09/04/2011, Mundo, p. 29

Aviolência na Costa do Marfim chegou a níveis extremos ontem, quando forças favoráveis ao presidente derrotado nas urnas, Laurent Gbagbo, atacaram com armamento pesado a residência do embaixador francês no país, Jean Marc Simon. Imediatamente, o governo francês reagiu e ordenou que helicópteros abrissem fogo contra a residência oficial de Gbagbo. As ofensivas na área urbana da capital Abijan ocorreram no mesmo dia em que o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU) anunciou ter encontrado, em apenas 24 horas, 100 corpos em três localidades na região oeste.

O ataque à casa do embaixador ¿ localizada no distrito de Cocody, onde estão outras embaixadas, inclusive a do Japão, atacada na quinta-feira ¿ parece confirmar a declaração da ONU de que o falso anúncio de renúncia feito por Gbagbo na última terça-feira foi apenas uma manobra para que suas forças continuassem fortalecidas. ¿Na terça-feira, entraram em contato conosco para negociar uma saída pacífica ao conflito. Foi um engano para que suas forças reforçassem suas posições¿, disse o subsecretário-geral da ONU para as operações de paz, Alain Le Roy, em uma entrevista coletiva à imprensa. Le Roy afirmou que as forças leais a Gbagbo ainda possuem armas pesadas e ¿as estão utilizando contra a população¿.

A França rechaçou o ataque por meio de nota. ¿Em 8 de abril, às 16h locais, a residência da França localizada no distrito de Cocody foi alvo de dois ataques de morteiro e de um foguete. É a segunda vez em menos de 48 horas que essa representação diplomática é alvo de um ataque deliberado¿, informou o texto. O comando das tropas leais a Gbagbo negou a operação.

Mais cedo, o porta-voz do Alto Comissariado da ONU, Rubert Colville, afirmou que funcionários do organismo encontraram dezenas de corpos jogados em poços e outros queimados nas cidades de Duekoue, Guiglo e Blolequin. Segundo ele, trata-se de violência étnica, mas ele ponderou que era difícil dizer quem foram os responsáveis, já que as tensões existem há muito tempo na região e aumentaram em consequência dos combates entre forças leais a Gbagbo e a Alassane Ouattara, que reivindica a Presidência do país.

Duekoue, onde estavam 15 dos corpos encontrados ontem, é uma das principais regiões de refugiados da Costa do Marfim. O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse ter distribuído mantimentos para milhares de pessoas naquela localidade e fez um apelo para a abertura de corredores humanitários para levar ajuda a outros pontos de apoio. Há relatos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha de que os violentos embates na cidade já deixaram cerca de 800 mortos.

Bunker Mesmo com o clima de guerra, Ouattara tenta se afirmar no poder após semanas de combates que resultaram no isolamento de seu rival Gbagbo. Em uma inversão de cenários, Ouattara, que passou meses em um hotel sitiado pelas tropas de seu rival, agora o isola com um cerco militar à sua residência. O presidente Gbagbo está entrincheirado em um bunker da casa e se recusa a entregar o poder.

Com reconhecimento internacional, Ouattara tenta restabelecer a normalidade na nação africana. Ele declarou que buscará restaurar a segurança e os serviços públicos essenciais e ressuscitar a indústria de cacau do país, a maior no mundo. Em discurso na noite de quinta-feira, ele disse ter solicitado ¿que as sanções da União Europeia nos portos de Abidjan e San Pedro e em certas entidades públicas sejam retiradas¿. Seu apelo surtiu efeito. A União Europeia anunciou ontem ter levantado as sanções aplicadas.

A embaixadora do Brasil na Costa do Marfim, Maria Auxiliadora Figueiredo, disse, em entrevista ao Correio, que o país está retomando as relações com outras nações (veja entrevista). ¿As sanções aplicadas à Costa do Marfim eram terríveis. Nem remédio chegava aqui. As pessoas não tinham como tirar dinheiro dos bancos, que estavam fechados¿, explicou. ¿Agora, a situação vai se resolver, independentemente de Gbagbo continuar no bunker ou não.¿