Título: Estragos e falhas na UnB
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Fonte: Correio Braziliense, 12/04/2011, Opinião, p. 18

O incêndio que destruiu a coleção de mais de 500 mil espécies de animais ¿ iniciada pelo cientista Vital Brazil, há mais de 100 anos ¿ no Instituto Butantan, em São Paulo, em maio do ano passado, e o alagamento de salas e departamentos do Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília (ICC/UnB), causado pelo temporal da noite do último domingo, reacendem os debates sobre prevenção e preservação de patrimônios públicos no Brasil ¿ não apenas pela ótica estética da arquitetura antiga e moderna brasileira, mas como forma de salvaguardar a produção intelectual do país. As lições do Butantan e da UnB, dois marcos da ciência brasileira, não devem ser esquecidas, mas, antes, ser lembradas quando se fala em proteger o passado e o presente como saltos para o futuro.

Em outubro de 2007, um seminário sobre arquitetura e urbanismo em Porto Alegre elegia como um dos temas do ciclo de palestras e debates a Preservação do Moderno, inspirado na proposta de professores e alunos do curso de arquitetura da UnB de se preservarem 11 prédios na cidade criados por Oscar Niemeyer, entre eles o ICC, a residência do arquiteto, no Park Way, e o Brasília Palace Hotel. Nota-se, porém, pelos estragos provocados pela chuva, que nada foi feito em nível de reconstrução de espaços e edificações na universidade criada por Darcy Ribeiro.

De volta a 2007, em 2 de novembro um temporal de força semelhante ao de domingo passado pôs em risco mais de 20 anos de pesquisas de um professor de biologia que trabalha com a idade e a linhagem dos répteis do Pantanal. Dois colegas do pesquisador que estavam a postos no feriado de Finados salvaram os estudos em questão. Outros docentes colecionam experiências amargas com a preservação de pesquisas, devido a apagões e a temporais que, há quase 50 anos, a idade do ICC, castigam o prédio desenhado por Niemeyer.

Diante desses episódios, que se repetem a cada temporada de chuvas, está mais do que na hora de autoridades da instituição pensarem em conservar o patrimônio do saber e a estrutura de uma das universidades mais prolíficas do Brasil em termos de trabalhos de bancada nas mais diversas áreas do conhecimento. Do contrário, não se pode ter certeza sobre o dia de amanhã. A frase soa a uma sentença de novas tragédias anunciadas. Mas o que dizer quando se sabe que arquitetos da própria UnB fizeram várias advertências à Reitoria nos últimos 10 anos, e que não se tomou providências? A última, em forma de carta, é de outubro de 2010 e pedia ao reitor uma vistoria do Corpo de Bombeiros nas alas Sul e Norte do Minhocão, como é conhecido o ICC.

É preciso destacar que a situação caótica da estrutura física do Minhocão não se resume a problemas de escoamento de água. Há salas de aula funcionando em condições precárias e fios de eletricidade soltos por vários locais põem em risco a vida dos alunos. Portanto, colocar a culpa no volume de água não justifica os estragos. É preciso acionar uma reforma urgente e drenar outros problemas de gestão para que não venham danos mais drásticos por aí.