Título: A hipótese "surpresa" na decisão do Copom
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Fonte: Gazeta Mercantil, 14/12/2004, Opinião, p. A-3

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, previu na semana passada a queda da relação entre a dívida líquida do setor público e o Produto Interno Bruto (PIB). Levy estimou a redução em pelo menos três pontos percentuais em relação a dezembro do ano passado. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) confirmou que a relação dívida/PIB deve recuar de 57,2% (já incluída a revisão para cima do PIB de 2003) para a faixa de alguns décimos acima de 53% em dezembro deste ano. É uma conquista respeitável desde o início da expansão em 1994, quando a dívida fechou em pouco mais de 30% do PIB. Desde então a escalada da dívida foi constante.

A relação dívida/PIB é o principal indicador da solvência observado pelos investidores internacionais. Na última década, a explosão da dívida teve como fator essencial a progressão geométrica das taxas de juros reais no Brasil. A desvalorização do câmbio, posterior a 1999, também tem parcela significativa de responsabilidade. Sem esquecer, obviamente, a máxima do ex-ministro Pedro Malan de que no Brasil o passado também é "imprevisível": nessa década vários "esqueletos", não registrados na contabilidade oficial, acabaram reconhecidos pelo governo. Bastam estes fatores para mostrar porque a relação dívida/PIB traduz o "grau de confiabilidade" no País e é a referência do investidor para as chamadas economias emergentes.

O secretário do Tesouro baseou-se nos dados de outubro do Banco Central (BC) indicando que a dívida do setor público era de R$ 945,4 bilhões - representando 53,7% do PIB - para afirmar que, apesar das dificuldades dos dois últimos meses do ano, a meta de 4,5% de superávit primário está assegurada. O reflexo foi imediato: o risco-Brasil iniciou trajetória descendente aproximando-se dos 400 pontos. O secretário lembrou ainda a previsão do IPEA de que o nível de 200 pontos-base é possível nos três próximos anos, com a tendência de queda da relação dívida/PIB.

O grau de confiabilidade externa na economia brasileira também está relacionado ao lento trabalho de redução do volume de títulos públicos indexados ao dólar. Em janeiro de 2003, a quantidade de títulos federais indexados a moeda americana era de 21% reduzidos para 6,4%, em outubro, conforme anunciou o BC.

Porque estes eram os sinais emitidos pela saúde da economia, emissões internacionais de dívida ordenadas em reais começaram a ser feitas por bancos brasileiros. O primeiro teste de aceitação do mercado para tal operação foi feito ainda no ano passado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento para financiamento de projetos das Parcerias Público-Privadas, as PPP, com títulos já aceitos em reais, embora com correção pela inflação. O Banco Votorantim foi pioneiro; outros bancos seguiram a mesma rota, inclusive o Banco do Brasil, conseguindo captar US$ 470 milhões para serem devolvidos na data do vencimento, no mesmo valor em reais, somados os juros, não importando a cotação do dólar. Isto é, investidores estrangeiros consideram bom negócio apostar na moeda brasileira em relação ao dólar americano.

Esse conjunto de dados positivos constitui alicerce para o Brasil alcançar um "grau de investimento" que o classificaria como aplicação de "baixo risco" no mercado externo. Em outras palavras, a economia brasileira contém dados já suficientemente atraentes para o investidor estrangeiro, sugerindo que a permanência de uma remuneração muito alta para o risco de colocar dinheiro no Brasil é cuidado excessivo. No cenário interno, os investidores captaram os mesmos sinais e decidiram acelerar investimentos, como confirmam os dados do IBGE deste último trimestre sobre a Formação Bruta de Capital Fixo.

Agentes econômicos endógenos e exógenos identificaram, na economia brasileira, a mesma tendência promissora. O pilar de todas essas indicações é, sem dúvida, o crescimento do PIB. Quando os juros sobem, porém, não é apenas o PIB que acusa pressões de contenção; é também a dívida pública que avança, fazendo a relação entre esses dois fatores ganhar conteúdo perigoso para o investidor externo.

Resta convencer os que detêm o controle efetivo da taxa de juros sobre essa equação de incógnitas perversas. Nos vaticínios sobre as decisões da última reunião deste ano do Comitê de Política Monetária analistas de três grandes bancos mencionaram a hipótese de "surpresa" - em especial, pelos sinais do mercado externo - quanto aos níveis esperados na escalada dos juros. Oxalá tenham razão, porque motivos não faltam para um rotundo engano no plantão das cassandras pessimistas. kicker: Agentes externos e internos sinalizam confiança na economia brasileira, identificando fatores de evolução e tendências promissoras