Título: Ficou só na promessa
Autor: Jeronimo, Josie ; Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 17/04/2011, Política, p. 2

Congresso

Ao aprovar o reajuste de 61,2% nos próprios salários no fim do ano passado, os parlamentares alegaram que, com o aumento, o Congresso economizaria nos recursos da verba indenizatória. À época, chegaram a condicionar a elevação do subsídio de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil ao fim do benefício. Mas levantamento realizado pelo Correio dos gastos indenizados nos dois primeiros meses da legislatura que começou em 1º de fevereiro mostra que os senadores continuam a usar a verba como uma espécie de complemento salarial. Até mesmo congressistas milionários aproveitam o benefício parlamentar a que têm direito para pedir ressarcimento de despesas realizadas em churrascarias e restaurantes requintados da capital.

Em fevereiro e março, 70 senadores apresentaram notas fiscais para pedir o ressarcimento de despesas com alimentação, hospedagem, gasolina e manutenção de escritórios políticos. A conta chega a R$ 1,3 milhão. Apenas 11 não fizeram uso do benefício. Apesar de apresentarem notas de ressarcimento, o Senado oferece a todos os parlamentares auxílio-moradia, diárias para missões e carros oficiais.

Além de recorrerem ao orçamento do Senado para custear despesas da rotina das rodas políticas de Brasília, que se confundem com a atividade parlamentar, a verba indenizatória é usada para resguardar a segurança jurídica de senador que responde a processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Réu em um inquérito de trabalho escravo que tramita na Suprema Corte, o senador João Ribeiro (PR-TO) apresentou uma nota de R$ 50 mil em abril reclamando ressarcimento de despesa com o escritório de advocacia Guinzelli e Lorenzi, cujo integrantes do corpo jurídico já atuaram em sua defesa. A reportagem ligou para a sede do escritório, em Palmas (TO), e a secretária informou que o escritório passa por fase de dissolução e o advogado Juvenal Klayber, que também defendeu João Ribeiro no processo trabalhista, está à frente da sociedade que mudará de nome. ¿Advoguei para o senador na causa trabalhista que deu origem ao inquérito. Estamos com pedido na Ordem dos Advogados para registro do novo escritório¿, afirmou Klayber. A assessoria do senador justifica que o escritório foi contratado para auxiliar o parlamentar em ¿causas complicadas¿ que ele relatará no Senado e que o gabinete recorreu à iniciativa privada porque ¿não encontrou consultorias¿ na Casa.

Milionário Um dos senadores milionários que utilizam a verba indenizatória para custear despesas em restaurantes badalados de Brasília ¿ para depois apresentar nota fiscal pedindo ressarcimento ¿ é o ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi (PR-MT). O parlamentar, conhecido por lucrar com a produção de soja no cerrado, tem patrimônio declarado de R$ 152 milhões e apresenta gastos com churrascarias para ser reembolsado. A assessoria de imprensa de Maggi informou que as despesas são legais e previstas em regulamento da Casa e que continuarão sendo executadas até o fim do mandato, respeitando o limite mensal.

Dos R$ 15,4 mil que a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) gastou em verba indenizatória no mês de março, R$ 5,8 mil foram utilizados para pagar contas de restaurantes que atingiram até R$ 1,2 mil em locais badalados de Brasília, como um bistrô especializado em vinhos e uma casa conhecida pela programação musical de jazz. Em fevereiro, a parlamentar apresentou nota de diária na Pousada das Cerejeiras, que fica em Alto Paraíso de Goiás (GO). A assessoria da parlamentar informou que o pedido de ressarcimento de R$ 715 ¿ do estabelecimento descrito como adega no registro da Receita Federal é relativo a um bistrô onde Lúcia Vânia realizou reunião de trabalho. A diária em Alto Paraíso, afirmou a assessoria, foi usada para custear a participação da senadora no seminário Circuito Verde, para discutir integração da Chapada dos Veadeiros no roteiro turístico da Copa do Mundo de 2014.

O senador Cacildo Maldaner (PMDB-SC) também registra despesas com alimentação, hospedagem, locomoção e combustíveis que somaram R$ 14,7 mil no seu primeiro mês este ano no Senado. Na lista, estão pagamentos a supermercados das cidades de Florianópolis e São José (SC) que o parlamentar pede reembolso. A reportagem procurou o parlamentar, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.

Balanço Senadores que mais gastaram nos dois primeiros meses do mandato

Gim Argello (PTB-DF) R$ 45 mil Renan Calheiros (PMDB-AL) R$ 31 mil Romero Jucá (PMDB-RR) R$ 31 mil Lúcia Vânia (PSDB-GO) R$ 30,5 mil Inácio Arruda (PCdoB-CE) R$ 30,3 mil Fernando Collor (PTB-AL) R$ 30 mil Casildo Maldaner (PMDB-SC) R$ 29,8 mil Eduardo Amorim (PSC-SE) R$ 29,8 mil Demostenes Torres (DEM-GO) R$ 29,5 mil Delcídio Amaral (PT-MS) R$ 29,1 mil

Senadores que não utilizaram a verba indenizatória Aloysio Nunes (PSDB-SP) Alvaro Dias (PSDB-PR) Cristovam Buarque (PDT-DF) Eduardo Braga (PMDB-AM) Eunício Oliveira (PMDB-CE) Garibaldi Alves (PMDB-RN) Itamar Franco (PPS-MG) Ivo Cassol (PP-RO) João Alberto (PMDB-MA) José Sarney (PMDB-AP) Marta Suplicy (PT-SP)

Não constam do sistema de transparência do Senado: Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) Lindbergh Farias (PT-RJ) Clésio Andrade (PR-MG)

Para saber mais Gastos de até R$ 15 mil

Os senadores têm direito a R$ 15 mil mensais para ressarcimento de gastos no exercício da atividade parlamentar. Os recursos podem ser usados para pagar aluguel de escritórios políticos, locomoção, hospedagem e despesas com combustível, aquisição de material, gastos com remessas postais e divulgação do mandato. Após sucessivos escândalos envolvendo a má utilização da verba, Senado e Câmara decidiram unificar as regras para utilização do benefício. Além de instituir a divulgação das notas fiscais, as Casas restringiram os gastos com a verba. Na Câmara, os deputados têm limite de R$ 4,5 mil para despesas com combustível. No Senado, o montante aplicado em gasolina ainda é liberado. Em 2009, o Congresso chegou a admitir o veto à apresentação de notas fiscais de despesas com restaurantes em Brasília. Depois de pressão dos parlamentares, Câmara e Senado voltaram atrás e autorizaram o gasto.