Título: Não há necessidade de conter a demanda
Autor: Lacerda, Antônio Corrêa de
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/04/2008, Opiniao, p. A3

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3 de Abril de 2008 - O crescimento da economia brasileira tem gerado discussões a respeito da sua sustentabilidade, principalmente quanto à capacidade de a indústria vir a suprir a expansão da demanda. Há até mesmo especulações quanto à adoção de medidas de contenção do crédito como forma de desestimular o consumo. No entanto, uma análise mais pormenorizada dos indicadores não revela riscos potenciais futuros. A demanda cresce forte, mas o investimento também. Muitos se surpreendem com a elevada ocupação da capacidade instalada da indústria. Mas esse dado não deve ser visto isoladamente. Primeiro porque as empresas adequam a estrutura de produção como resposta ao aumento da demanda. Se uma determinada empresa possui uma capacidade de produção de 100, considerando um único turno de produção e se ela estiver produzindo atualmente 90, a resposta dela à indagação de quanto estará utilizando da sua capacidade será 90%. No entanto, isso não deve ser interpretado como se ela só conseguiria expandir sua produção em mais 10%. Isso porque, mediante a necessidade imposta pelo crescimento da demanda acima desse nível, ela poderá recorrer, sem nenhum investimento adicional, a um segundo, ou mesmo terceiro, turno, duplicando ou triplicando a sua capacidade adicional. Além disso, essa mesma empresa poderá adotar medidas de aumento da produtividade mediante automatização e outras ferramentas que podem expandir sua capacidade com pequenos investimentos. Finalmente, o que estimula a realização de novos investimentos na industria é justamente a perspectiva de crescimento da demanda, para além da capacidade produtiva de hoje. Nenhuma empresa investiria em ampliação da sua capacidade produtiva se não tivesse essa percepção. Nesse ponto, os indicadores de nível de investimentos são bastante positivos. Em 2007, por exemplo, para um crescimento do PIB de 5,4%, o investimento total, a formação bruta de capital fixo, que além do investimento das empresas também inclui os do governo, aumentaram 13,4%. Outro importante sinalizador do apetite investidor são as aprovações de financiamento do BNDES, que têm crescido a um ritmo de 32% nos últimos doze meses acumulados. Sob o ponto de vista da demanda, embora essa tenha crescido fortemente influenciada pelo consumo das famílias, que aumentou 6,5% no ano passado, impulsionado pelo crescimento real da massa salarial de quase 7%, pelo crescimento do emprego formal de 1,6 milhão de novos postos e do crédito, que expandiu 26%, não há nenhum indicador de excesso. Apesar do aumento do crédito em ritmo elevado, a sua proporção em relação ao PIB, que somente nesse ano vai chegar a 40%, ainda está muito aquém da média de países comparáveis, que é o dobro disso. Também não se observa aumento da inadimplência que aponte para o risco potencial de colapso no sistema. Há nesse sentido comparações indevidas com a recente crise do mercado imobiliário norte-americano, no qual a situação de mercado é significativamente diferente, não só qualitativamente, mas também no que se refere a volumes, em termos absolutos e mesmo relativos. Todos esses indicadores corroboram um quadro de crescimento econômico sem a geração de pressões inflacionárias adicionais que justificariam uma reversão na trajetória de redução dos juros reais, ainda muito elevados comparativamente a padrões internacionais. As elevações de nível inflacionário observadas recentemente decorrem muito mais de choque exógeno de custos de commodities e alimentos e não de elevação da demanda. Assim, o que vale mesmo para a economia doméstica é tomar medidas para estimular os investimentos e garantir o aumento da oferta. Muito mais que conter o consumo é preciso fomentar a capacidade de produção. O potencial de crescimento da economia brasileira é reconhecidamente elevado e não há por que aproveitar o excelente momento. É fundamental criar condições favoráveis ao investimento produtivo, o que passa por aspectos macroeconômicos, como o câmbio, por exemplo, assim como dos demais fatores de competitividade sistêmica. Isso engloba questões burocráticas, resolução de gargalos logísticos e tudo aquilo que afugenta os investimentos produtivos. Nesse sentido, é alvissareira a notícia de que o governo brasileiro está em via de anunciar uma nova política industrial. Um tanto tardia, mas ainda não sem tempo kicker: O que importa é estímulo aos investimentos para elevar a oferta interna (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ANTONIO CORRÊA DE LACERDA* - Professor-doutor do Departamento de Economia da PUC-SP. Próximo artigo do autor em 24 de abril)