Título: O novo ciclo de aperto monetário em perspectiva
Autor: Mori, Rogério
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/04/2008, Opinião, p. A3

A evolução recente dos indicadores econômicos brasileiros sinaliza que é muito provável que o Banco Central (BC) venha a elevar a meta da taxa básica de juros (Selic) em breve. Dentro da lógica intrínseca da condução da política monetária praticada pelo BC, no contexto do regime de metas para inflação, a evolução do quadro inflacionário recente, que aponta para alta, conjugada à expansão econômica brasileira, aponta para uma ação da parte do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC em termos de taxa de juros. De fato, para que a inflação atinja a meta de 4,5% no ano, a média mensal não deve ser superior a 0,37%. Nesse contexto, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE tem se situado acima desse patamar de forma sistemática desde novembro do ano passado. A análise por grupos permite vislumbrar pressões do lado da alimentação e bebidas, despesas pessoais e saúde e cuidados pessoais. Ao mesmo tempo, também pode se verificar que a inflação de itens comercializáveis com o exterior também subiu, acumulando 5,0% nos últimos doze meses terminados em fevereiro (a despeito da relativa estabilidade da taxa de câmbio) e a dos itens não comercializáveis também tem pressionado, ficando em 6,9% na mesma comparação. Nesse contexto, a inflação medida pelo IPCA só não foi mais alta por conta dos preços dos itens monitorados, que foram os "vilões" da inflação em outros momentos, e que atualmente se situam em 1,6% nos últimos doze meses terminados em fevereiro. As medidas de núcleo da inflação do IPCA também preocupam o Banco Central e ensejaram uma inflação anualizada superior a 4,5% em vários momentos nos últimos meses. Mesmo as projeções de mercado não têm dado conforto ao BC. De acordo com o Relatório de Mercado (Focus), a mediana das projeções da inflação medida pelo IPCA para 2008 subiu nas últimas semanas e já se situa em 4,5%. Em outras palavras, o quadro de inflação baixa, próxima a 3%, verificado em 2007 ficou para trás e a perspectiva de uma inflação acima da meta é uma possibilidade concreta nesse momento. Talvez a razão para essa inversão esteja associada ao fim dos efeitos da apreciação do real frente ao dólar norte-americano sobre os preços domésticos e associada à expansão da renda doméstica. Nesse contexto, o quadro de inflação se acopla ao de uma atividade econômica relativamente aquecida, com alguns setores exibindo um forte ritmo de produção e vendas no primeiro trimestre do ano. O nível de vendas do setor automotivo brasileiro representa um bom exemplo desse fenômeno recente. No primeiro bimestre do ano, as vendas internas de automóveis cresceram cerca de 32% em relação ao mesmo período do ano passado. Destaque-se que esse crescimento está ocorrendo sobre uma base de vendas relativamente forte, uma vez que estas superaram a marca de 2 milhões de unidades vendidas em 2007. Claramente esse processo de expansão recente da atividade econômica tem sido amparado, em grande medida, pela expansão do crédito privado. Nesse contexto, o ciclo de flexibilização da política monetária em curso desde meados de 2005 tem permitido uma melhoria significativa das condições de crédito para a pessoa física e para a pessoa jurídica, com reduções marginais nas taxas praticadas na ponta do empréstimo e com alongamento do prazo médio das operações de crédito. Esse processo tem viabilizado um maior acesso ao consumo de vários bens e serviços, mesmo em camadas mais desfavorecidas da sociedade. Ao mesmo tempo, a expansão econômica tem permitido alguma recuperação da renda, com expansão da massa de salários no País. Nesse contexto, esse processo ganhou uma dinâmica relativamente própria e sua potência tem preocupado os formuladores da política econômica. Dados esses elementos, no balanço dos riscos, ganha força a tese de que o BC deverá elevar a taxa básica de juros mais adiante. O aspecto lamentável desse movimento é que, potencialmente, abortará o ciclo de investimentos produtivos em vários segmentos da economia brasileira, levando a um ritmo menor da expansão da capacidade produtiva do País. De qualquer forma, esse poderá ser um custo que será imposto ao processo. kicker: A elevação da Selic é o custo imposto pela dinâmica da demanda (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ROGÉRIO MORI* - Professor e coordenador de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da FGV/EESP. Próximo artigo do autor em 30 de abril)