Título: Juros altos e desenvolvimento econômico
Autor: Magalhães, João Paulo de Almeida
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/04/2008, Opinião, p. A3

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15 de Abril de 2008 - Existem na política econômica brasileira alguns mistérios que escapam à compreensão. Um deles são as elevadíssimas taxas de juros, que constituem grave obstáculo ao desenvolvimento econômico. Eles são justificados como instrumento essencial ao controle da inflação. Como, todavia, aceitar essa alegação se países asiáticos com inflação não superior à brasileira registram juros extremamente baixos, que não obstaculizam o desenvolvimento. Por que não os imitamos? Como o governo nada faz, vamos nós mesmos explicar o que sucede naqueles países. A literatura especializada mostra que a inflação pode ter duas causas. A primeira é o aumento da moeda em ritmo superior ao incremento do Produto Interno Bruto (PIB). A segunda é a disputa em torno do PIB pelos agentes econômicos. A primeira cadeia causal é óbvia, dispensando comentários. A segunda deve, porém, ter seus mecanismos explicitados. Suponhamos, para simplificar, que os agentes econômicos sejam apenas dois, empresas e trabalhadores. A inflação resulta, digamos, de os trabalhadores reivindicarem salários que, somados, correspondem a 80% do PIB, enquanto os empresários lutam por lucros cujo montante é igual a 30% do PIB. Como não se pode distribuir 110% de um bolo, surge disputa levada adiante com aumentos sucessivos de salários e preços. A primeira modalidade de inflação é típica dos desenvolvidos, e a segunda, das economias retardatárias. Nas economias maduras não pode existir disputa em torno do PIB porque a mão-de-obra é relativamente escassa e os sindicatos fortes. Desencadeada a inflação, eles impõem escala móvel de salários, pela qual todo aumento de preços resulta em elevação proporcional e imediata de salários. Isso congela as participações no PIB. Nos subdesenvolvidos, contrariamente, a mão-de-obra é superabundante e os sindicatos, fracos, não tendo poder de negociação suficiente para impor a escala móvel. Donde a inflação tomar a forma de aumentos sucessivos de preços e salários. Diante desses fatos, nas economias avançadas, a forma correta de eliminar a espiral inflacionária é a contenção do crescimento da moeda (manual e escritural), o que é conseguido por disciplina fiscal e, muito especialmente, pela elevação da taxa de juros. Nos subdesenvolvidos, a forma de manter a estabilidade de preços é instituir uma política de rendimentos que ajuste as pretensões dos agentes econômicos às dimensões do PIB. O Plano Real fez exatamente isso ao impor a todos agentes a remuneração média do período anterior. Assim, o salário variando em termos de poder aquisitivo, entre dois reajustamentos sucessivos, de 1.000 para 800 foi estabelecido em 900. Algo semelhante foi feito com os demais agentes econômicos. Essa medida tornou o somatório das reivindicações dos agentes igual ao PIB, quebrando a espinha dorsal da inflação. Portanto, hoje, o Banco Central (BC) brasileiro está cometendo grave erro ao promover a estabilidade de preços pela contenção da moeda, basicamente mediante drástica elevação da taxa de juros. Não apenas isso. Ele está fazendo exatamente o contrário do recomendável. Vejamos por quê. Se a inflação é resultado da disputa em torno do PIB, a maneira de identificar a causa das pressões inflacionárias remanescentes no Brasil consiste em descobrir qual agente econômico está pretendendo participação do PIB além do razoável. Análise elementar mostra que esse não é o caso nem dos sindicatos nem das empresas. O problema se acha, portanto, no setor público. Alguns economistas de linha conservadora apontaram o dedo para a Previdência Social. Acontece que sua elevada participação no PIB resulta de problemas tais como o envelhecimento da população e a necessidade de concessão da aposentadoria aos trabalhadores rurais. A culpa do problema não é, portanto, de vantagens excessivas concedidas na Previdência Social. A reivindicação de excessiva e injustificável participação no PIB é do sistema financeiro. Este obtém, sem qualquer motivo economicamente aceitável, os mais elevados juros do mundo. O que nos leva à surpreendente mas irrefutável conclusão de que o instrumento usado no Brasil para controlar preços é a causa básica das pressões inflacionárias remanescentes. Por que o BC não toma conhecimento desse fato é um mistério que, possivelmente, apenas os banqueiros podem explicar. kicker: O instrumento usado no Brasil para deter preços causa pressões inflacionárias (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) JOÃO PAULO DE ALMEIDA MAGALHÃES* - Presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (Corecon-RJ))