Título: Ela quer governar o Paraguai
Autor: Arêas, Camila
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/04/2008, Internacional, p. A11

Assunção, 16 de Abril de 2008 - Ela foi considerada a melhor ministra que teve o governo do atual presidente paraguaio, Nicanor Duarte, e a melhor funcionária de Estado que o país viu nos últimos 10 anos. Nas pesquisas de opinião e meios de comunicação figurava com alta popularidade. Até candidatar-se à presidência. Hoje, a menos de uma semana das eleições, a candidata pelo tradicional Partido Colorado, Blanca Ovelar, é a personagem que enfrenta maior resistência na cena eleitoral. A aposta foi muito ousada, afirmam analistas. No Paraguai conservador e assumidamente machista que até agora a História conheceu, não há espaço para uma mulher no poder, acreditam. Enquanto o choro da pré-candidata presidencial americana Hillary lhe garante pontos nas pesquisas, as lágrimas da ex-ministra de Educação Blanca, durante um comício, na semana passada, renderam-lhe críticas pela "falta de punho" daquela que pretende ser a primeira mulher presidente do Paraguai. E que promete, em entrevista à Gazeta Mercantil, dar início à transformação histórica. Blanca é a candidata do atual presidente, Nicanor Duarte. Por isso, seria "mais do mesmo", simplificam muitos paraguaios, anunciando votar em qualquer candidato "menos na de Nicanor". O manejo de sua campanha pelo atual presidente faz Blanca parecer, aos olhos de feministas, um mau exemplo, uma "títere do governo". Dos quatro principais postulantes presidenciais, é a candidata com maior imagem negativa. Sua figura aparece escassas vezes na campanha publicitária colorada. Também pesa contra Blanca o fato de não ter surgido da carreira política. Ela não é uma figura conhecida dentro do Partido Colorado pela participação em atividades internas. Portanto, "não é colorada", concluem os chamados partidários duros, que declararam sem vergonha voto na oposição, apesar de se manterem fiéis à legenda. Blanca nega, na entrevista, que tenha provocado o racha do partido às vésperas das eleições, mas admite que, para ganhar legitimidade, será preciso vencer com ampla margem nas eleições de domingo. Gazeta Mercantil - Como o fato de ser mulher pesa em sua candidatura? É um desafio para o qual é preciso ter muita coragem. O Paraguai é um país machista, e o Partido Colorado, tradicional. O que mostra que a escolha da minha candidatura é o início de uma transformação histórica. E, no poder, continuarei esta transição. Chegou a hora de mudança no partido e no Paraguai, por meio dos colorados. A presença das líderes Michelle Bachelet no Chile e de Cristina Kirchner na Argentina mostra que a tendência ganhou a região. É uma mudança inédita na histórica política da América Latina e do mundo, onde realmente emerge a figura da mulher. As portas vão se abrindo lentamente. Gazeta Mercantil - Faltando um para as eleições, algumas pesquisas lhe davam certa vantagem. Agora, todas coincidem posicioná-la em segundo lugar, com uma diferença que varia de 5 a 10 pontos percentuais em relação a Fernando Lugo, líder da oposição. Como encara a tendência? É preciso saber ler as pesquisas, muitas estão disfarçadas. Existe um método em que se realizam perguntas diárias durante um mês e quando se chega ao 30º dia, elimina-se o primeiro e acrescenta o mais recente. É este método o que melhor indica as tendências, e que hoje mostra que minha candidatura cresce. E vai continuar crescendo porque temos a opção do poder, temos uma estrutura que chega a todos. Sabemos onde estão nossos correligionários e onde buscá-los. Gazeta Mercantil - Qual é sua expectativa para a eleição? Quero ganhar com uma ampla margem de diferença de voto. Espero que minha vitória seja clara e inquestionável. É o que mais peço a Deus, porque quando a margem é pequena, o adversário não reconhece. E, então, fala-se de fraude. Gazeta Mercantil - A oposição já levanta suspeitas de fraude contra o governo. Qual sua resposta? Da mesma forma que eles. Faço um pedido aos meios de comunicação e rádios comunitárias de todo o país para que coloquem seus aparatos em cada mesa eleitoral do país e transmitam a apuração dos votos. Quem perde com as denúncias de fraude pós-eleitoral é o Paraguai. Gazeta Mercantil - Como avalia a decisão do ex-pré-candidato colorado Luis Castiglioni, que perdeu nas internas do partido, de não defender a sua candidatura? Foi o que provocou a fratura do Partido Colorado? Não acredito que Castiglioni queira ver a queda do partido. Respeito sua dor e creio que quando estiver sozinho com a urna, não vai nos decepcionar. Claro que ainda há dissidências, dentro do partido e nas ruas. Mas isto não se deve a mim. Nenhum processo humano que projete mudança é linear e sem contradição. É natural que haja discordância. Mas tenho uma grande fé de que nosso triunfo vai ser claro, contundente e inquestionável. A cada dia estamos conformando melhor nossa união. Gazeta Mercantil - Tendo em vista que a vitória não garante governabilidade, como você vai trabalhar com a oposição caso seja eleita presidente? Será preciso fazer acordos, colocar sobre a mesa minha agenda de desenvolvimento, as metas a alcançar e manter um diálogo mútuo e franco com todos os setores. É a única maneira de obter a governabilidade. Estou aberta para dialogar com todas as forças políticas porque creio que em primeiro lugar está a pátria Paraguai, e que hoje ela nos chama a trabalhar por desenvolvimento, clamando por vocação e vontade política. Gazeta Mercantil - Qual é sua posição em relação à revisão do Tratado de Itaipu? Vou formar uma comissão de alto nível técnico plural, com assessoria internacional. Trarei o melhor da inteligência do mundo para me ajudar a entender a verdade e, com isso em mãos, vou conversar com o Brasil. Lula tem mostrado uma abertura que os governos brasileiros historicamente não têm tido com o Paraguai. Com Lula, quebrou-se a histórica unilateralidade do Brasil nas relações bilaterais e nos temas em que competimos. Vamos potencializar esta chance e conversar com franqueza, porque nosso país depende do Brasil, vendemos 60% da nossa produção aos brasileiros. Nossa relação bilateral é fundamental e vamos cuidar dela, mas também lutar para que, apesar da diferença, seja cada vez mais uma relação construída com dignidade, independência e reciprocidade. Não falo nem de solidariedade, mas de justiça. Gazeta Mercantil - Qual é seu plano para o Mercosul? É preciso avançar na compreensão das assimetrias e entender que a política tem de ser de justiça. Já conseguimos muitos acordos. Mas, para além das fronteiras, estes acordos não se materializam e nosso país é o que mais sofre, porque é o menor. Vamos lutar por relações de mais reciprocidade e justiça. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 11)()