Título: Proteção à concorrência pede rápida modernização
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/05/2008, Editoriais, p. A2

13 de Maio de 2008 - Enfrentar os entraves à concorrência econômica e combater a formação de cartéis é tarefa prioritária em economias industrializadas avançadas. Por essa razão, é fato auspicioso que o tempo médio para julgamento dos atos de concentração pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi reduzido a menos da metade desde 2004. Nesse ano, a demora no julgamento alcançou índice bem maior do que o registrado em 2000, até então o mais lento do Cade. Em 2004, eram necessários125 dias para que cada caso avaliado no órgão chegasse ao final. Em 2007, essa marca caiu para 51 dias. E, quando analisado apenas o primeiro quadrimestre deste ano, esse índice diminui ainda mais, para 49 dias. Porém, essa conquista, apesar de sua importância, ainda mantém distante a solução dos principais problemas para a defesa da concorrência econômica no Brasil. A presidência do Cade, a autarquia do Ministério da Justiça responsável pela avaliação de fusões, aquisições e joint-ventures no País, afirma que cerca de 80% dos casos que chegam já recebem o tratamento do fast-track, de tramitação muito mais rápida, por serem considerados de menor relevância. Nesse ponto, nos 20% restantes começam os problemas do órgão, que deveria, de forma ágil, combater a perniciosa formação de cartéis. Se considerarmos os Estados Unidos como exemplo de proteção eficiente à competição econômica, e conforme o depoimento do procurador-geral da Divisão Antitrust do Departamento de Justiça norte-americano, no ano passado foram avaliados apenas 2.220 porque 90% das pendências tiveram decisão antes de chegar aos tribunais, reduzindo tempo e custos dos processos. O Cade argumenta que no mínimo 75% dos casos são julgados em rito sumário, um número de razoável eficiência. O problema maior, no entanto, está nas delongas dos casos de maior relevância. A modernização do sistema do Cade, de fato, está emperrada. Por exemplo, o projeto de lei que altera o Sistema Brasileiro da Defesa da Concorrência está parado no Congresso há mais de dois anos. As dificuldades na busca de eficiência do Cade, à espera de modernização, está na existência de três órgãos para a mesma tarefa de reprimir a formação de cartéis, primeiro o próprio Cade, seguido das secretarias de Direito Econômico (SDE) e de Acompanhamento Econômico (SEAE), todos pertencentes ao organograma de funcionamento do Ministério da Justiça. Aliás, a busca de eficiência por parte do Cade continua no perfil das condenações aplicadas pelo órgão. Segundo os dados da própria instituição, entre janeiro de 2004 e abril de 2008, apenas 7% dos atos de concentração julgados receberam alguma restrição por representarem algum obstáculo à livre concorrência. O índice de 92,9% dos casos analisados foi aprovado integralmente e apenas 0,5% foi recusado. Vale notar que 2.612 processos foram apresentados ao Cade nesse período e 2.891 foram julgados, porque nesses anos foram avaliados casos "em estoque" de anos anteriores. As baixas condenações podem sugerir significativa agilidade do órgão. Não é bem desse modo. Empresas de saúde e associações médicas foram entidades que sofreram o maior número de condenações determinadas pelo Cade. Pesquisa especializada mostrou que, das 54 condenações dos últimos oito anos, 27 delas diziam respeito ao que o órgão considerou formação de cartel no ramo da saúde. Nesse ranking o segundo lugar é ocupado pelo comércio, com nove condenações, seguido pela indústria, com sete. A maior parte dos casos envolve a padronização de cobrança entre médicos. Completa a lista a condenação de agências de viagem, transportes aéreos e urbanos, operadoras de TV a cabo e escolas. Um quadro bem diferente do vivido por órgão semelhante na União Européia: dos 145 casos julgados nos últimos quatro anos, as condenações envolveram valores da ordem de US$ 55 bilhões, obviamente atingindo setores bem diferentes desses, atingindo ramos em que a prática de cartel é bem mais pesada, como os da indústrias química e farmacêutica. Não é diferente nos Estados Unidos. Esses dados sugerem que o Cade está algo desconectado dos reais problemas que ameaçam a concorrência econômica no Brasil. Não há dúvida de que o arcabouço jurídico de defesa da concorrência no Brasil está dirigindo seus maiores esforços em setores e causas que poderiam ser mais bem acompanhados, avaliados e punidos, se for o caso, ainda antes de ocupar o tempo e o espaço desse órgão, que poderia envidar seus esforços nos setores em que a concorrência é mais ameaçada. Por outro lado, a lenta decisão de alguns grandes casos deixa o Brasil em situação de certa vulnerabilidade no cenário econômico internacional. Impedir a concentração econômica e o cartel é a maior proteção possível contra a competição predatória. Em especial, a promovida por grandes grupos internacionais que, de fato, inibem a justa e livre concorrência no mercado brasileiro. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)