Título: Saída da ministra sugere frágil política ambiental
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/05/2008, Editoriais, p. A2

15 de Maio de 2008 - demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, deixou o governo Lula em uma situação difícil, principalmente por confirmar a dificuldade do País em construir uma política ambiental coerente e consistente. A forma como a ministra deixou o poder demonstra bem o significativo desgaste do conceito "meio ambiente" no conjunto da administração. Em cinco anos e quatro meses no cargo, Marina Silva colecionou tantos desgastes que, na hora da despedida, sequer procurou o presidente para entregar a carta de demissão. Um portador foi incumbido da tarefa de entregar o pedido de afastamento em "caráter irrevogável". O presidente Lula não escondeu a irritação com o gesto. A rigor, o último "choque" da ministra com a estrutura do poder ocorreu pouco antes do lançamento, no Palácio do Planalto, do Plano Amazônia Sustentável (PAS), em reunião com o presidente, quando foi informada que a coordenação do Conselho Gestor do projeto seria do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, que simplesmente não participara da longa negociação e elaboração do plano iniciado em 2003. Era um sinal muito notório de que, para o núcleo do poder, a responsabilidade maior no combate ao desmatamento da Amazônia não estava mais com a ministra do Meio Ambiente. É verdade que a perda da coordenação do PAS completou uma longa fieira de desgastes da ministra. Convém lembrar, por exemplo, que no início do segundo mandato do presidente Lula, pressionada para conceder as licenças de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra também não escondeu da imprensa que colocara o cargo à disposição do presidente. Naquele contexto, a ministra considerou a revisão dos projetos de hidrelétricas determinada por Lula como apoio reiterado. Logo depois, no entanto, ficou evidente que ela não compreendera bem a evolução dos fatos. Na batalha pela licença ambiental das usinas de Santo Antonio e Jirau, Marina colidiu de frente com a poderosa ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e no desfecho do caso o presidente deixou claro com a frase "Jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso? Tem que ter uma solução". O argumento da ministra Marina Silva relativo à população de bagres nos rios da região não o convencera como impeditivo definitivo para as hidrelétricas. Nessa ocasião, a ministra entendeu os limites do jogo de que não poderia enfrentar a vontade presidencial e cedeu. Era, portanto, uma derrota diferente da ocorrida quando da liberação do plantio e comércio da soja transgênica, no começo do ano passado, quando sua permanência no governo foi decidida apenas como garantia para outras causas de proteção ambiental. Porém, a ministra acreditava que nos assuntos relativos à Amazônia sua visão da questão ecológica representaria a última palavra do governo. Nesse aspecto, em janeiro, quando Marina Silva divulgou abruptamente informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) assegurando que o desmatamento na Amazônia voltara a crescer muito em novembro e dezembro, o núcleo do poder irritou-se com o fato, uma vez que o presidente Lula pedira, na presença de outros ministros, que Marina Silva tivesse "calma" com os dados do Inpe porque os números ainda estavam em análise e precisavam confirmação. É preciso entender, no entanto, que Marina Silva preservou um histórico de realizações no governo, aliás, bem mencionado na sua carta de demissão. Vale lembrar, por exemplo, que o total das áreas federais protegidas na Amazônia aumentou mais de 60% nos últimos cinco anos. Nos últimos três anos, as ações do Ministério do Meio Ambiente reduziram em 60% o desmatamento na região. Em 2003, a destruição da floresta atingira 25 mil quilômetros quadrados e bateu em 27 mil no ano seguinte. As medidas de prevenção e controle, até com a ajuda do Exército, empreendidas pelo ministério derrubaram esse desmatamento para 11.224 quilômetros quadrados no ano passado. Quando no final do ano os riscos voltaram, Marina Silva não mediu riscos para denunciá-lo. Porém, o fez até com exageros verbais, que acabaram por provocar em produtores rurais a sensação de que o setor estava sendo "criminalizado" pela ministra. Quando os números do Inpe foram revisados, os excessos da ministra representaram um desgaste difícil de contornar. As dificuldades do Ministério do Meio Ambiente de cumprir sua tarefa, ao lado dos excessos de quem o dirige, sugerem que o País ainda está à espera de uma política de proteção ambiental realmente eficiente. A forma de demissão da ministra, por outro lado, também indica que o governo não sabe bem o que quer para o setor, caso contrário a ministra não se desgastaria tanto. Neste setor tão importante, como os fatos demonstram, o Brasil ainda desconhece como avançar economicamente com sustentabilidade. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)