Título: O capitalismo brasileiro entra em nova fase :: Raphael de Almeida Magalhães
Autor: Magalhães, Raphael de Almeida
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/08/2008, Opinião, p. A3

22 de Agosto de 2008 - O recente sucesso da subscrição pública das ações representativas do capital da OGX, pelo montante, pela diversidade geográfica dos subscritores e pela conjuntura desfavorável dos mercados em que a operação se processou merece cuidadosa análise crítica. Se bem apreendido, em seu alcance, o exemplo pode se transformar em novo paradigma para outras empresas brasileiras se socorrerem do mercado de capitais para se capitalizarem, marcando o início de um novo ciclo do capitalismo brasileiro, menos dependente do Estado como fonte primária do seu financiamento, mantido, como no caso da OGX, o controle da empresa em mãos brasileiras. O êxito da subscrição evidencia que os investidores, sobretudo os institucionais, estão ávidos por participarem de projetos vinculados à economia real em setores com demanda mundial comprimida, como é o caso do petróleo, cuja exploração é o objeto social da OGX. Os investidores estão procurando aplicações seguras fora da órbita financeira, o principal fator de atração dos investimentos nos últimos tempos, a ponto de o setor financeiro nos EUA representar mais de 20% do PIB americano, em comparação com 10% de participação do setor manufatureiro. Esta é uma evidente demonstração de que aquele país se transformou num enorme cassino financeiro, a moeda convertida em bem de comércio, uma radical financeirização mercantil da economia americana, com efeitos perversos sobre a solidez dos seus fundamentos e que acabou comprometendo a confiança no dólar como moeda de troca internacional. Numa atitude defensiva, os detentores de superávits primários, em contraposição aos EUA, estão buscando proteção contra a desvalorização do dólar. A escolha tem recaído sobre investimentos principalmente em países em desenvolvimento, ricos em recursos naturais e com uma ampla frente de oportunidades para a implantação ou ampliação de indústrias em negócios vinculados à economia real, que estejam em setores críticos para a economia mundial, como é o caso do petróleo. Ou mesmo em grandes projetos de logística, sempre como alternativa muito mais segura do que as oferecidas pelos variados produtos que a imaginação criadora dos agentes financeiros pode oferecer no mercado de papéis. Com os déficits externo e interno americanos em crescente ascensão na última década, agravados, agora, pela subida do preço do petróleo - o país produz apenas 40% do petróleo que consome -, o "déficit" das contas externas americanas chegará às nuvens enfraquecendo ainda mais o dólar como moeda nas transações internacionais. Essa anômala situação mundial explica por que os investidores de todas as partes do mundo - com participação destacada de diversos fundos soberanos, tanto de países árabes como de países de capitalismo estatal, como China, Cingapura e Hong Kong, cujas disponibilidades para investimento somam mais de US$ 4 trilhões - correm à procura de investimento em ativos reais pelo mundo afora. Tudo indica, assim, que o mundo está às vésperas de mudanças estruturais de enorme significado na geopolítica mundial. Isto deve ser corretamente entendido no Brasil, com o eixo dinâmico da economia começando a se deslocar dos EUA para a Ásia, determinando, provavelmente, uma forte procura por projetos ancorados na economia real e não na ficção mirabolante de natureza estritamente financeira, sem qualquer relação com a economia real. O Brasil, sendo o Bric mais estruturado do ponto de vista institucional, com uma base de recursos naturais comparável apenas ao da Rússia, a partir de iniciativas dos seus empresários pode vir a se converter, sem ceder o controle das suas empresas, em associação, ou não, com nossas principais empresas públicas, em excelente oportunidade de negócio. Isso se explica, particularmente, a investidores que procuram diversificar seus investimentos em projetos vinculados à economia real, com compromisso de transparência na gestão, respeito aos direitos dos acionistas e ao meio ambiente, em setores estratégicos de comprovada demanda mundial. kicker: O Brasil deve ser um dos maiores beneficiários da corrida por ativos reais (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES* - Ex-ministro da Previdência e Assistência Social e ex-governador do Estado da Guanabara)