Título: Direito previdenciário: a via-crúcis do cidadão
Autor: Oliveira, Alexandre Mendes Lima de
Fonte: Correio Braziliense, 07/05/2011, Opinião, p. 21

Defensor público federal, titular do 5º Ofício Previdenciário da Defensoria Pública da União no Distrito Federal

Todos os dias, milhares de cidadãos ingressam com ações judiciais contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Elas versam sobre a concessão, restabelecimento ou reajuste de auxílio-doença, auxílio-reclusão, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade rural, aposentadoria por tempo de contribuição, pensão por morte, salário-maternidade e benefício de amparo assistencial (Loas). Muitos logram êxito na primeira instância, mas é comum ver ações que tramitam por meses ou anos, em razão de recursos interpostos pela autarquia previdenciária.

Os recursos e a notória morosidade dos processos judiciais retardam sobremaneira o recebimento de todos os valores devidos. Apenas após o trânsito em julgado da sentença e a expedição do precatório ou da Requisição de Pequeno Valor (RPV) o cidadão é intimado a dirigir-se a uma agência bancária para realizar o saque da quantia judicialmente reconhecida como devida. Nessa etapa, não raro, tem se deparado com o registro, no extrato bancário, de retenção de parte do montante recebido a título de Imposto de Renda. Pergunta-se: é lícita a incidência de IR na hipótese?

A resposta é negativa. A incidência de imposto sobre valores recebidos a título de parcelas de benefício previdenciário ou assistencial atrasados só se justifica se aquelas parcelas, consideradas individualmente em seu valor mensal, superavam o limite de isenção estabelecido para a época em que deviam ter sido pagas. Isso se deve porque, como previsto no regulamento do Imposto de Renda (art. 521, Decreto nº 85.450/80), para fins de estabelecer a alíquota de IR aplicável, ¿os rendimentos pagos acumuladamente serão considerados nos meses a que se referirem¿.

Portanto, se os valores devidos, considerados mês a mês, não superavam o limite estabelecido legalmente na época em que o benefício era devido, não é possível a retenção de Imposto de Renda, sob pena de afronta ao princípio constitucional da igualdade em relação àqueles que não tiveram a concessão do benefício interrompida. Admitir o pagamento de Imposto de Renda nesse tipo de situação representaria incompreensível punição ao cidadão por ingressar judicialmente contra a omissão da autarquia previdenciária, que deixara de conceder, a tempo e modo, o que era devido ao cidadão por direito.

A rigor, temos que a própria retenção está viciada por violação do princípio constitucional da isonomia, já que o cidadão ficará algum tempo sem poder usufruir de parte dos valores que são devidos até a promoção da restituição pelo Fisco, o que não aconteceria se o benefício tivesse sido deferido a tempo e modo pelo INSS. Ressalte-se, ainda, a possibilidade de o Fisco negar a restituição e o cidadão ter que recomeçar toda a via-crúcis judicial para reaver valores que lhe pertencem.

A praxe forense tem nos mostrado que, infelizmente, não são raros os casos de incidência indevida de Imposto de Renda. Como a questão é basicamente de direito e se repete com tanta frequência, seria recomendável a propositura de ação civil pública para impedir a continuação da referida prática pelo Fisco e assim tutelar coletivamente todos os contribuintes.

O problema é que o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001) ¿ dispositivo legal de constitucionalidade duvidosa, cuja análise demandará outro artigo ¿ veda a propositura de ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos.

Assim, só resta alertar o cidadão litigante para ficar atento quando do recebimento de valores mediante precatório e RPV e, caso haja retenção indevida ou irregular de Imposto de Renda, buscar seus direitos administrativamente ou judicialmente, se preciso for, sendo recomendado fazê-lo por meio de advogado especialista na área tributária. Caso não tenha condições financeiras de fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família, deve procurar assistência jurídica gratuita fornecida pela Defensoria Pública da União.