Título: Contra o reinado da palmada
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 20/05/2011, Política, p. 3

O seminário era sobre crianças e adolescentes, mas os holofotes de um encontro que discutia castigos infantis foram disputados por duas rainhas de diferentes linhagens. A real tinha como representante a majestade da Suécia, Sílvia Sommerlath. A popular, a apresentadora de televisão Xuxa Meneghel. Se pertencem a palcos distintos, pelo menos em discurso e postura as duas mostraram afinação: preferiram a informalidade, tiraram fotos até com bonecos animados, além de uma penca de servidores da Câmara e terceirizados. Na hora dos discursos, pediram o fim dos castigos físicos contra crianças, mesmo os aplicados sob pretexto de correção.

A rainha Sílvia e Xuxa vieram à Câmara na manhã de ontem para tentar dar um empurrão no projeto de lei que estabelece o direito de a criança e o adolescente serem educados e cuidados sem violência, castigo cruel ou humilhante. Trocando em miúdos, as palmadas seriam proibidas depois de aprovada a proposta. Elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o projeto tramita vagarosamente na Casa desde o ano passado. Esta foi a principal motivação do ¿incentivo real¿.

A rainha Sílvia chegou primeiro, com honras de Estado: subiu a rampa do Congresso com direito a tapete vermelho e teve recepção por uma comitiva feminina capitaneada pela deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) e pela presidente da Comissão de Direitos Humanos, Manuela D¿Ávila (PCdoB-RS). A rainha teve encontro reservado com as parlamentares e saiu com uma réplica dos mesmos azulejos de Athos Bulcão que decoram o salão verde da Câmara. Sílvia tirou fotos com servidores e com o boneco Plenarinho, utilizado pela Casa em um programa de aproximação das crianças com o trabalho legislativo.

Tietagem Xuxa, porta-voz da rede Não bata, eduque chegou pela Chapelaria do Congresso e também participou do encontro entre Sílvia, deputadas e a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Cerca de 10 minutos depois da saída de Sílvia, Xuxa caminhou até o auditório Nereu Ramos, com seguidas interrupções de fãs, sob pedidos de fotos e autógrafos. A ¿rainha dos baixinhos¿ pediu agilidade ao Legislativo na aprovação da lei. ¿Não queremos nos meter na vida dos outros, mas garantir o direito da criança de ser respeitada, ouvida, amada¿.

Na mesma linha, a rainha Sílvia explicou os avanços na educação sueca desde que o país aboliu os castigos físicos, há 30 anos. ¿Os castigos físicos têm efeitos devastadores e abrem espaços para outras formas de violência, como o abuso sexual¿, disse. Depois da fala no seminário, a rainha sueca reiterou o pedido ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que garantiu dar urgência ao projeto assim que ele chegar à Casa.

A cena mais curiosa foi protagonizada pela secretária da organização Save The Children, da Suécia, Elisabeth Dahlin. Ela trouxe um par de chinelos e sugeriu ao país que aposentasse o ¿símbolo nacional para bater em crianças¿. Depois da performance, dividiu o par e entregou um pé para a senadora Marta Suplicy (PT-SP) e outro para Maria do Rosário. A ministra pediu que o Brasil repita o exemplo sueco, seguido recentemente por Uruguai, Espanha, Venezuela e Portugal. ¿O castigo físico não pode ser considerado prática pedagógica¿, disse.

RAIZ BRASILEIRA Escondido entre o nome oficial de Sílvia Sommerlath está a prova de que a rainha sueca guarda um passado brasileiro. Entre os dois nomes oficiais, a majestade conserva ¿Renata de Toledo¿, recebido da mãe brasileira. Mas a ligação com o Brasil não fica só no sangue. Nascida na Alemanha, terra natal do pai, ela viveu dos 4 aos 13 anos em São Paulo. A soberana da Suécia fala seis idiomas e conheceu o rei sueco Carl Gustav enquanto trabalhava como intérprete nas Olimpíadas de Munique, em 1972. Já monarca, decidiu criar no fim da década de 1990 a Childhood Foundation (WCF), para cuidar de crianças vítimas de abuso e exploração sexual.