Título: Inclusão não é tradução
Autor: Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 21/05/2011, Brasil, p. 13

Em frente ao Congresso, as mãos não empunhavam bandeiras. Os cerca de dois mil manifestantes surdos demonstravam o domínio da língua de sinais e o conforto de estar em um ambiente onde a comunicação não era entrave. De acordo com representantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), escolas para surdos focadas no ensino bilíngue vêm sendo fechadas em função da política do Ministério da Educação (MEC) de incluir surdos em colégios tradicionais. Os manifestantes defendem a alteração da postura governamental e a inclusão de metas, voltadas para eles, no Plano Nacional de Educação (PNE), que tramita no Congresso.

Em todo o país, existem cerca de 170 escolas para deficientes auditivos sob risco de serem extintas. Segundo a diretora da Feneis, Patrícia Rezende, os estudantes surdos vêm sendo encaminhados para escolas tradicionais, que contam com intérpretes, em detrimento do fortalecimento de escolas ou turmas voltadas para surdos. ¿A inclusão proposta pelo governo é ruim porque os estudantes surdos ficam à mercê de uma tradução muitas vezes deficiente. Eles não conseguem interagir com outros alunos nem com o professor. Em uma escola onde existem professores e alunos surdos, a língua de sinais é disseminada e o surdo conta com um ambiente linguístico que proporciona crescimento educacional e humano¿, diz. Segundo Patrícia, o ideal é que os surdos tenham o direito à educação em Libras como primeira língua ¿ e que a partir dela seja ensinada a escrita em português.

Ontem, representantes da Feneis, do Instituto Nacional de Educação dos Surdos e do Centro de Integração de Arte e Cultura de Surdos se encontraram com o ministro da Educação, Fernando Haddad. Aos representantes, o ministro afirmou que não pretende encerrar as atividades de nenhuma instituição, mas ressaltou que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2006. Por isso, deve ofertar o direito a um sistema educacional inclusivo. De acordo com o MEC, de 2002 a 2010, a inclusão em turmas regulares passou de 110.704 para 484.332 e o número de escolas inclusivas cresceu de 17.164 para 85.090. Os representantes da Feneis afirmam que, muitas vezes, a ação se resume à inclusão de um intérprete em sala.

Daniel Gonçalves, 17 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio, frequenta uma escola tradicional com intérprete. Segundo ele, não existe integração entre os 30 ouvintes e os 20 surdos. ¿Muitas vezes não conseguimos acompanhar a aula porque a linguagem não é adaptada. Não temos imagem do que está sendo ensinado. Perguntamos coisas básicas para os ouvintes e somos ridicularizados¿, diz.