Título: Poder em disputa
Autor: Machado, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 09/06/2011, Economia, p. 20

Consumada a substituição de Antonio Palocci, do PT de São Paulo, pela senadora Gleisi Hoffmann, do PT de Paraná, na chefia da Casa Civil, o foco das análises se dirige para o que estava obnubilado pelas suspeitas sobre o enriquecimento do ex-ministro da Fazenda e ex-deputado: a viabilidade política do governo de Dilma Rousseff.

Essa é a questão subjacente da crise formalmente provocada pela revelação, por fontes anônimas, sobre os negócios de consultoria do virtual primeiro-ministro de Dilma quando exerceu o mandato de deputado entre 2007 e 2010. Nem ele nem ela haviam encaminhado de modo satisfatório as relações políticas com o PT e o PMDB, sócios maiores da rede de 15 partidos que apoiam o governo, tanto quanto parece encaminhado o caroço da inflação ¿ outro tema de intrigas, se desgovernado, como indicava a sua trajetória no início do ano.

A capacidade de resposta exibida pelo governo, ao se distanciar de devaneios sobre a política monetária, não se viu na política, sobretudo no arranjo com as muitas alas do PT e no afago ao PMDB. O partido do vice-presidente Michel Temer espera mais que quatro ministérios e algumas estatais para se sentir alojado no poder.

A ambição do PT não é menor, embora ocupe todo o governo. O que mudou desde Lula é que ambos querem subir ao palco. Esse é o nó.

Mais que no desenho dos ministérios no governo Lula, que deu aos aliados uma impressão de autonomia, a gestão das áreas chaves com Dilma está concentrada num grupo restrito próximo a ela. Em tese, deveria agilizar as decisões e mitigar desvios e más intenções.

Só que não tem sido assim. Minuciosa, ela não decide antes de se sentir segura. Pouco conversa com os membros do governo sobre o que pensa. E, até aqui, manteve desinformada a maioria dos líderes da base aliada, insensível ao sentimento de carência de seus dois sustentáculos: PT e PMDB, partidos que ambicionam voos maiores sem a presença avassaladora de Lula ocupando todos os espaços.

Foi isso o que José Dirceu, ainda a maior liderança do PT depois de Lula, disse, antes das eleições, a petistas no Recife: que com Dilma o governo seria do PT. Não que não fosse com Lula. Mas era mais dele do que de qualquer grupo político. Foi também o que Temer e outros chefes do PMDB anunciaram, chegando a cogitar a elaboração de um projeto de governo para ser debatido com o PT e aplicado por Dilma. Tais expectativas de estrelato não se confirmaram.

Coesão com Lula e FHC O anseio de influência dos partidos está diretamente relacionado com a avaliação que fazem da presidente: uma técnica obcecada com prazos e eficiência, não um gênio político como Lula, dotado ainda de uma intuição incomum. Mas há mais, começando pelo que Lula pode dispor e se exauriu: a ociosidade da produção, das contas fiscais e do crédito público. E, lá fora, seis anos de pujança recorde.

Lula navegou com vento a favor, unindo interesses incontornáveis graças à distribuição de benefícios. FHC fez o mesmo pelo motivo oposto: o esgotamento cambial e fiscal do país. A coesão em torno deles se deu em situações limites. Dilma não dispõe de nada disso.

O Estado filantrópico A economia não está em situação terminal, como estava com FHC. Ao contrário, bateu no teto, mas sem ter o que distribuir, como tinha com Lula. Só há dois caminhos: ou se expande a produção nacional, função do investimento, ou será a estagnação. Num patamar elevado, é certo, mas espichando a inflação a todo surto de crescimento.

Trata-se de uma limitação e de oportunidade. É o bom problema, se partilhados com todos. Os sinais são de que o PT e o PMDB já não se satisfazem em serem coadjuvantes de um sistema político que se mescla a interesses econômicos privados em todas as dimensões. E é assim não bem por relações espúrias, embora elas existam, mas pelo perfil da economia brasileira, dependente do Estado em quase tudo: licenças para operar, provedor de dinheiro barato etc.

A Casa Civil trancada Em meio a um ambiente dominado por parcerias entre o público e o privado, vamos dizer assim, impera o presidente, sobra a política e há pouco incentivo à transparência, já que a Constituição delega poderes ao Congresso, sem limitar formalmente os do Executivo.

Não se rompe tal sistema no curto prazo priorizando a eficiência, como sugere Dilma ao escolher a senadora Gleisi para a Casa Civil pelo seu alegado perfil de gestora. Subentende-se que a Casa Civil não terá relações especiais com o capital. Mas continua indeferido o anseio de maior influência de PT e PMDB. Ou Dilma governa com um projeto nacional combinado com eles ou continuará pressionada.

Não é só fisiologismo Na superfície, o embate entre o governo e os partidos de sua base de apoio sempre é apresentado como disputa por cargos. É isso, mas pode estar havendo um excesso de simplificação. Pegue-se o PT: se Dilma é petista, assim como petista é a maioria dos ministros, não é lógico que setores do partido se sintam alijados do governo.

Tal percepção se confunde com a de um governo de tecnocratas. Foi assim com FHC, quando dominaram os operadores da ordem monetária, a mesma praia de Palocci, sem o convencimento majoritário do PSDB. A falta de um projeto que galvanize o interesse da maioria agrava o sentimento de exclusão dos partidos. Sem algo assim, a imagem de gerente colada a Dilma mais a prejudica do que ajuda.