Título: Faz de conta
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 16/06/2011, Política, p. 4

Na saúde, os governos acham que gastam muito e os profissionais acham que ganham menos do que deveriam ¿ e trabalham além do que seria justo. E os usuários do serviço pedem sempre além. E o distinto público pagador de impostos não quer nem ouvir falar em pagar mais

[FOTO2] A Câmara dos Deputados se prepara para concluir a votação da Emenda Constitucional 29, aparentemente com acordo para não recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) renomeada. A ideia é boa. Garantir recursos suficientes para a saúde, essa primeira preocupação dos brasileiros em todas as pesquisas.

Há entretanto uma lacuna permanente no debate. Quantos seriam os "recursos suficientes"? Ninguém sabe, ou pelo menos ninguém diz. A única referência sempre apresentada é comparar o que se gasta aqui e em outros países. E os números relativos são assustadores.

Nos Estados Unidos, que também enfrentam uma disputa política interminável nessa pauta, investe-se dez vezes mais, por habitante.

Duas conclusões. A primeira: a saúde precisa de mais verbas. A segunda: nenhuma proposta colocada na mesa resolveria, nem de longe, o problema do financiamento. É só olhar os números de receita adicional projetada pelas alternativas.

Em resumo, se é verdade que deputados, senadores e membros do Executivo participantes da empreitada ganham pontos políticos mostrando preocupação com uma agenda tão sensível, é verdade também que até agora ninguém apareceu com a mágica de resolver mesmo o problema, na real.

Pois alguém precisará pagar a conta.

Também porque se a saúde tem problemas de financiamento, a gestão não é uma brastemp.

O ministro anterior, José Gomes Temporão, desperdiçou capital político na batalha, afinal inútil, para flexibilizar as regras do setor. Pretendeu criar as fundações estatais de direito privado, que reuniriam o "melhor" de dois mundos: garantia de verbas públicas e liberdade típica do setor privado para comprar e contratar. E demitir.

A coisa não andou, inclusive pela saudável desconfiança de que abriria uma larga autopista para todo tipo de irregularidade.

Enfrentou naturalmente a resistência feroz das corporações mais orgânicas da área. A proposta recebia a esperada simpatia dos detentores de cargos executivos, o pessoal cobrado pela população, mas não atravessou a barreira político corporativa.

Na saúde, os governos acham que gastam muito, enquanto os profissionais acham que ganham menos do que deveriam e trabalham além do que seria justo. E os usuários do serviço pedem sempre mais. E o distinto público pagador de impostos não quer nem ouvir falar em pagar mais.

Há algum preconceito diante do SUS (Sistema Único de Saúde), pois as pesquisas mostram que a aprovação dele no público que o utiliza é sempre maior do que na população em geral.

Mas o SUS é uma obra inconclusa. E ninguém quer assumir a responsabilidade de dizer quanto custa concluí-la. E fica esse jogo de faz de conta.

Eu mando Os problemas políticos do governo são conhecidos. Menos divulgadas são as circunstâncias operacionais. Uma delas é a obsessão de sua excelência com os mínimos detalhes.

Se é verdade que o diabo mora nos detalhes, então talvez seja o caso de creditar ao tinhoso certa culpa nas confusões recentes que contaminam a atmosfera política. A presidente cuida de tantas minúcias do dia a dia que parece não lhe sobrar tempo para antecipar as encrencas maiores.

É um estilo gerencial como qualquer outro, Há quem goste de delegar e há os centralizadores por vocação. Dilma Rousseff tem cadeira cativa na segunda categoria. Se é bom ou ruim, os resultados mostrarão. De todo modo, governo é bicho grande demais para ser controlado perenemente na base do quem manda sou eu.

TCU O governo quebra a cabeça para não ser derrotado daqui a alguns meses na votação da Câmara dos Deputados para preencher uma vaga a ser aberta no Tribunal de Contas da União.