Após 29 meses de atividades, nos quais ouviu 1.117 depoimentos, a Comissão Nacional da Verdade constatou que o número de mortos e desaparecidos nos anos da ditadura militar é maior do que o estabelecido oficialmente até agora. Já consta da lista da comissão um total de 421 nomes de pessoas que desapareceram ou foram mortas por razões políticas. Isso representa um acréscimo de 59 nomes à lista oficial da Comissão Especial de Mortos e Desparecidos Políticos, vinculada à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

Um dos nomes incluídos na lista é o do despachante Odair José Brunocilla. Segundo informações obtidas pela família dele, Brunocilla teria sido sequestrado e torturado por agentes policiais em 1978. E seu corpo teria sido jogado ao mar. Até agora, porém, não havia sido estabelecido nenhum vínculo entre o despachante e qualquer organização política.

Recentemente, descobriu-se, no meio material recolhido pela polícia e recuperado pela família, uma lista de clientes, entre os quais apareciam os nomes de argentinos e chilenos que sofriam perseguição política em seus países. A repressão na Argentina se tornou mais intensa justamente em 1978.

Brunocilla, segundo apurou a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, teria ajudado essas pessoas a fugir.

A lista com 421 nomes ainda não é definitiva, de acordo com o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, o advogado Pedro Dallari. Ele disse ao Estado que ainda estão analisados depoimentos, documentos e relatórios enviados pelas comissões estaduais e de universidades. "Hoje temos um embasamento maior do que no passado sobre as perseguições ocorridas naquele período", disse ele.

Recusados. Segundo a advogada Rosa Cardoso, que faz parte do grupo de seis notáveis que integram a Comissão Nacional, a lista foi preparada a partir de critérios reconhecidos internacionalmente para definir casos de violações de direitos humanos e perseguições políticas. Mas nem todas as indicações apresentadas pelas comissões estaduais e grupos de familiares de mortos e desaparecidos foram aceitas.

É o caso de Ângelo Pezzuti da Silva, militante da organização de esquerda Vanguarda Popular Revolucionária, que foi banido do País em 1971. Ele morreu em Paris, num acidente de motocicleta, em 1975. Segundo a Comissão de São Paulo, o acidente ainda não foi totalmente explicado, não se descartando a hipótese de ter sido provocado por agentes da repressão no País. A Comissão Nacional, porém, não viu provas suficientes para definir o caso como um assassinato político.

"Trabalhamos com critérios conceituais rigorosos e o apoio de laudos periciais valiosos", disse a advogada.

Não devem fazer da lista os nomes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart. No caso de Juscelino, a comissão já descartou completamente a hipótese de atentado político. Nem a família do ex-presidente acredita mais nessa possibilidade.

O caso de Goulart ainda aguarda o resultado de análises e perícias. Seu corpo foi exumado em novembro do ano passado, quando foram recolhidas amostras para verificar se ele foi envenenado, como suspeitam os familiares, ou não.

Ainda segundo Rosa Cardoso, é provável que o relatório final, a ser entregue à presidente Dilma Rousseff no próximo dia 10, contenha um capítulo sobre casos ainda não completamente esclarecidos.

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Grupo paulista diz que número de vítimas é ainda maior

A lista elaborada pela Comissão Nacional da Verdade, com 421 nomes de mortos e desaparecidos políticos na ditadura militar, já está sendo questionada por familiares e pela Comissão Estadual da Verdade do Estado de São Paulo. Segundo o presidente da comissão, deputado Adriano Diogo (PT), a lista poderia conter ainda mais nomes.

Em ofício enviado à Comissão Nacional ele questionou os critérios para a preparação da lista. "A Comissão Nacional da Verdade não pode assumir uma visão judicial e estrita do processo de reconstrução da verdade. É evidente que a tarefa de investigação histórica demanda responsabilidade e cautela, mas não há justificativa para a comissão adotar as regras existentes em nossos sistema jurídico relativas à distribuição do ônus da prova utilizadas para períodos de normalidade."

Ainda segundo Diogo, é preciso levar em contato que "o Estado ditatorial não só executou e desapareceu com opositores do regime autoritário, mas também dirigiu sua violência para apagar os rastros e impedir a apuração de seus crimes de lesa-humanidade."

Diogo defende sobretudo a aceitação integral - pela comissão nacional - de um dossiê elaborado por comissões de familiares, com nomes de 21 mortos e desaparecidos que ainda não constam de listas oficiais. Desse total, 14 foram deixados inteiramente de lado. Sobre os outros sete ainda restam dúvidas sobre a existência de uma ligação direta entre as mortes e as perseguições políticas.

Um dos nomes apresentados e não aceitos foi o Sylvio de Vasconcellos, arquiteto perseguido pela ditadura e aposentado compulsoriamente pelo AI-5, em 1969. Mudou-se para os Estados Unidos e morreu dez anos depois, em Washington.

Índios e camponeses. Também foram deixados fora da lista de mortos e desaparecidos políticos os casos de índios e grupos de camponeses que teriam sido mortos pela ditadura. Eles terão um capítulo à parte no relatório final.

Para a presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, a procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, os critérios que norteiam a elaboração das listas deveriam ser revistos. "Trabalhadores rurais, ligados às ligadas camponeses, foram perseguidos e mortos. Milhares de índios também morreram em consequência das ações da ditadura. Eles não tinham ligação direta com nenhuma organização política, não eram militantes de esquerda, mas devem ser reconhecidos como perseguidos pelo regime", disse a procuradora. "Nós sugerimos isso à comissão no relatório que entregamos dias atrás com sugestões para o texto que será entregue à presidente Dilma."

O critério que prevalece até agora para a lista é o vínculo das pessoas com organizações de esquerda e a ligação entre as mortes e a perseguição política.