Título: Revolução social
Autor: D"Angelo, Ana ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2011, Economia, p. 12

Muito se tem falado da nova classe média brasileira, um contingente de mais de 30 milhões de pessoas que saiu das camadas mais baixas e se tornou a base de sustentação do consumo no país. Essa é a face mais badalada da mobilidade social vivida pelo Brasil, beneficiado por um período de estabilidade econômica sem precedentes em mais de três décadas. Mas um levantamento da Consultoria IPC Maps, que acaba de sair do forno, revela um movimento de transformação bem mais robusto: 73% das famílias melhoraram de vida e experimentaram algum tipo de ascensão social nos últimos 14 anos.

Trata-se de uma das maiores taxas de mobilidade vistas no mundo em um prazo tão curto de tempo, acima dos registrados em países como a Suécia (51,5%), Canadá (50,1%) e Estados Unidos (48%). São 143,8 milhões de brasileiros que passaram a viver melhor e a satisfazer demandas reprimidas ao longo de anos, como a casa própria, o primeiro veículo, a televisão LCD, a internet em casa, a tevê a cabo, a viagem de férias com toda a família para a praia ¿ e, acima de tudo, educação e saúde. "O controle da inflação, a formalização do mercado de trabalho e o acesso facilitado ao crédito empurraram os brasileiros para o consumo. Não à toa o país retomou o ciclo sustentado de crescimento, com excelentes perspectivas para o futuro. É o circulo virtuoso que funciona perfeitamente", analisa Marco Pazzini, diretor da Consultoria IPC Maps.

O resultado é que a participação de famílias na base da pirâmide, a classe E, encolheu: pelo menos 20,5 milhões de pessoas deixaram a zona da pobreza, pois viviam com renda familiar de, no máximo, R$ 705, e passaram a ocupar os extratos de renda logo acima, das classe sD e C, conforme reforça estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Seguindo o mesmo movimento, outras 2,5 milhões que já estavam na D galgaram os degraus até a C ¿ que hoje totaliza 103 milhões de cidadãos, mais da metade da população do Brasil. Com isso, o orçamento engordou e ficou mais folgado. Mas o maior crescimento em termos percentuais ocorreu nas classes B e A, nas quais os rendimentos mensais estão acima de R$ 4.854 e de R$ 6.329, respectivamente. Cerca de 6,6 milhões de pessoas passaram a integrar o topo da pirâmide.

Onda As estatísticas já destacam um segundo movimento mais forte, desta vez da classe C em direção à B. De 2010 para cá, enquanto a primeira cresceu 7,3%, a turma do segundo mais alto degrau da pirâmide social engordou 10,2%. "Agora, a nova onda de migração é para a classe B", garante Pazzini. Isso vai acontecer por ser o grupo mais bem qualificado profissionalmente para defender renda maior em um ambiente de continuidade do crescimento econômico", diz.

Bruno Tiago Oliveira, 27 anos, é um dos beneficiados pela mobilidade social. Filho de pedreiro, morava em uma casa simples com a mãe e o pai. Com renda mensal de R$ 1 mil, o patriarca bancava a alimentação, as despesas do lar e o estudo de Bruno, que concluiu o ensino médio. Faziam parte da classe D. Nos últimos anos, a renda da família deu uma guinada, não só porque o pai obteve um emprego que paga mais, mas também porque Bruno conseguiu um posto de vendedor de móveis. "Passei por cinco lojas e, agora, cheguei ao topo do salário nesse ramo", comemora, ao contar que recebe cerca de R$ 2 mil mensais.

O dinheiro obtido com muito suor possibilitou também ao vendedor a conquista de novos sonhos. O primeiro deles, casar-se. Para isso, Bruno comprou cama, geladeira, guarda-roupa e uma televisão de LCD de 40 polegadas. "Minha vida melhorou bastante nos últimos anos, ainda que não dê para comprar tudo. Tenho de pesquisar e juntar dinheiro, mas com esforço estou conquistando minhas coisas", ressalta. O próximo sonho a realizar, conta ele, é um curso de radiologia para obter um emprego melhor e uma renda maior.

Agora, um losango É em pessoas como Bruno, da classe C, que o mercado está de olho, pelo seu potencial de consumo, com poder de compra estimado em R$ 700 bilhões, maior que os dos segmentos do topo, A e B. "É a maioria da população e já pode eleger sozinha um presidente da república", lembra o economista Marcelo Neri, professor da FGV, autor do estudo que apontou a nova classe média brasileira, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Deve-se, principalmente, à nova classe C a mudança do formato da pirâmide social, que passou do histórico triângulo invertido para um losango.

Na classificação da FGV, já está no degrau mais alto da pirâmide, ocupando a classe A, quem tem rendimento acima de R$ 6.329. Neri diz que as faixas de renda adotadas pela FGV retratam a classe média mundial. "Não é de fato a norte-americana, que tem dois carros na garagem", avisa. De qualquer forma, diz ele, ser classe média é mais um estilo de vida do que ter determinada renda. "É esperar um futuro melhor, querer subir na vida", afirma.

Talvez isso explique por que o bilionário e bem-sucedido empresário do setor de mineração, Eike Batista, com fortuna avaliada em US$ 30 bilhões e sempre em busca de novas oportunidades de negócios, se diz classe média.